sexta-feira, 18 de maio de 2007


LADO B

A plena manhã desceu suave sem o canto dos galos, mas, barulhos diversos e estranhos eram soados em volta de meu quarto com suas janelas abertas. O sol invadia sem pedir licença e atingia meu rosto contraído. Mesmo assim, o meu quarto estava meio sombrio, mas porque? As cortinas estavam abertas! Eram ruídos de sons de macacos, araras, pássaros diversos, árvores sendo sacudidas pelo vento rebelde... O som estava desligado... O ventilador também... Faltou energia? Ainda estou sonhando? Fechei os olhos novamente, para acordar de novo! Abri-los! E notava que tudo permanecia indiferente do normal! Não parece sonho, tudo é tão real! Sei quando estou sonhando, qualquer um sabe distinguir a realidade de um sonho, e naquele momento não estava no irreal, estava vivo, acordado! Fechei de novo os olhos na tentativa de saber se estava realmente sonhando, e abri-los rapidamente! Um enorme matagal cercava meu quarto, galhos de árvores entrando pela janela e raios solares vazando entre a vegetação hostil do ambiente absurdo que cercava meu quarto. Tudo estava frio, com um cheiro de verde, odor de terra selvagem e o ar parecia enevoado! Porra! O que qui tá pegando!? É um sonho! Só pode ser! Tenho que acordar! Preciso ir trabalhar... Tem reunião, e hoje é aniversário de minha noiva! Fechei os olhos, não queria levantar dentro de um sonho, sabia que era meu quarto, mas da janela sempre via os edifícios, as roupas estendidas no varal e ouvia o cacarejar das galinhas. Não via uma floresta, e sim urbanização! Abri os olhos, e no mesmo ambiente estranho, permaneci! Então gritei para alguém ouvir e me acordar!!!
___AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH!!!!!!!!!!!
Um eco extenso se fez de meu grito gutural, e sentia que o negócio estava ficando sério, ninguém respondeu. Com exceção dos barulhos naturais da mata que cercava meu quarto, não ouvia as vozes de minha mãe reclamando que deixei a toalha molhada no banheiro, que mijei fora da privada, o ruído do liquidificador, o rádio de meu pai sintonizado na AM trazendo as notícias fresquinhas... A essa altura já tinham batido em meu quarto!
___Marcos! Desperta! Acorda, ta na hora!!!
Mas nada, ninguém me acordou! Barulhos de natureza viva soavam ao redor: macacos, cigarras, pássaros... A escuridão causada pelas sombras das árvores deixava meu quarto muito estranho! O que está havendo!? Isso é um absurdo! Não tomei nenhum alucinógeno e não fumei nem um baseado! Aliás, a última vez que fumei, tinha meus 17 anos... Será que estou doente? Delirando? Será que já estou no hospital dopado ou em coma? O que aconteceu? Mas estou lúcido e muito bem! Não sinto dores! Pensava tudo isso, deitado de cabeça para o teto... E só depois notei que existia uma vegetação rasteira grudada no teto de meu quarto! Tomei um susto! Como ela nasceu ali, do dia para a noite? Ontem dormi ouvindo Secos & Molhados... E hoje acordo no meio da selva? Quando vi a vegetação que cobria o teto de meu quarto, pirei! Levantei rápido e encabulado! E na outra janela um enorme macaco me observava, junto a outros! Levei outro grande susto! Até gritei! A última vez que vi um macaco enorme, foi no zoológico, agora o via na janela de meu quarto. Parei e fiquei estático, com o cu na mão, olhando a porra do macaco! Ele não se mexia, apenas me olhava curiosamente! Notei que tudo estava muito errado! Bateu o medo. Desviei o olhar do macaco que me fitava profudamente e senti algo estranho em meus pés... Folhas, muitas folhas no chão de meu quarto... Direcionei a visão para o chão, e vi vários insetos peçonhentos: aranhas, lacraias, formigas enormes... Minha cama já estava cheia de formigas saúvas, lacraias, besouros... Uma enorme cobra se enrolava no pendurador de roupas! Endoidei! Abri a porta de meu quarto apavorado para averiguar o fenômeno que estava acontecendo, ainda olhei para trás, e já tinham vários macacos, que entravam pela janela sem serem convidados no meu quarto. Pensei em fechá-las... Mas fechei a porta de meu quarto e ganhei o corredor.
___Puta que pariu!! O que está acontecendo!? Isso não é sonho não! Pai!!! Mãe!!! Marta! Maíra!
Não tinha ninguém em casa, nem bilhete... Faltava energia. Aranhas pra todo lado passeavam pela casa. Abri a porta do banheiro, a janelinha estava quebrada e encontrei uma enorme preguiça enrolada no chuveiro do banheiro! Putz! É o cúmulo do sinistro! O que é isso!? Tinha muito mofo na casa, goteiras, sapos... No quarto de meus pais, tinha muitos insetos, vegetações rasteiras, um aspecto sombrio e uma enorme umidade tomava toda a casa! Achei um jabotí na suíte de meus pais. Cadê eles? Tudo parecia que há anos estava ali, a casa no meio de uma selva fechada! No corredor, uma outra cobra passava para o quarto de minha irmã... Gritei o nome dela:
___Marta!! Cuidado!!!
Mas cadê Marta? Meu Deus o que está havendo? Foi o apocalipse e eu sobrevivi? Mas porque esse matagal? Fui à sala e abri as portas, desci para o terraço, onde antes via o prédio da prefeitura! Quando abri a porta do hall, me deparei com algo jamais visto por mim, a casa estava localizada em um alto, uma planície, e visualizei uma vista que encantou minhas pupilas assustadas, foi impactante: um horizonte infinito verde, uma enorme selva! Onde estou? No meio do Amazonas ou da mata Atlântica? A mata Atlântica será que voltou? Vingou-se do homem destruidor e de repente se esqueceu de mim! Não tinha teorias convincentes! Mais uma vez me perguntava... O que está acontecendo? Que loucura! Que absurdo! Cadê a cidade? Cadê o povo? O que houve? Começou a bater um desespero! Peguei o telefone e estava mudo, queria ligar para empresa e avisar que faltaria o trabalho! Ligar para algum amigo... Sei lá... Mas, que empresa? Que amigo? Sons de todos os tipos de bichos rodeavam a casa... Até procurei as araras, sempre achei essas aves lindas... Fui à cozinha e a geladeira desligada, estava aberta... Os alimentos encontravam-se devorados e outros deteriorados... Esquilos diversos faziam a geladeira de moradia... Os cereais estavam todos ruídos... Lagartos passeavam pela sala e a cozinha... Estava com muito medo... Iguanas, tejus... Teias enormes de aranhas de espécies desconhecidas... Fui à dispensa pegar umas armas, facões, machados... Não podia ficar desarmado. Meu pai nunca teve arma de fogo. Quando abri a porta da dispensa, me joguei longe - uma revoada de morcegos enormes saíram loucos com a luz do sol ! Que porra é essa? O que está pegando? Minha casa virou moradia de bichos? Cadê minha família? Comecei a gritar, chamando minhas irmãs, meus pais... Fui ao terraço, e a vista mostrava um absurdo - uma enorme selva! Um verdão sem fim! Voltei à dispensa apavorado e impressionado, peguei um facão, pois lembrei de algum filme americano, no meio do mato tem que ter um facão! Retornei ao meu quarto, vestir uma calça para ganhar o matagal e procurar resposta para o que houve. Mas antes, hesitei, abrir novamente a porta de meu quarto? E os macacos? Tenho que abrir! E se tiver uma onça? De pijama que não posso sair! Tenho que colocar um tênis, vestir uma calça, pegar meu relógio, minha lanterna no celular! O celular! Será que tocou? Vou usa-lo! Abrí a porta... Um dos macacos estava com meu disco dos Secos & Molhados na mão, jogou para outro macaco que saiu pela janela levando o meu LP!
___Seu filho da puta volta aqui!!!! Devolva meu disco!!
Entrei em meu quarto, que estava um caos, molhado com mijo, merda na cama, vegetação entrando cada vez mais e muita umidade! Um macaco ameaçou hostilizar. Parei. A cobra continuava no mesmo lugar! Queria pegar justamente uma calça que estava no pau que a enorme réptil enrolava tranquilamente. Devia ser uma jibóia! Com o facão ameacei os macacos que se afastavam de minha cama, de meu guarda roupas... Abri o armário... Mais aranhas e morcegos saiam desesperados com a luz do sol. Puxei rapidamente uma calça e uma camisa, calcei o tênis no corredor e senti uma picada forte... Bati no tênis e caiu um escorpião, não era dos venenosos, mas a picada doeu muito. Via alguns enormes lagartos entrando, indo para a cozinha... Esperei os répteis passarem e ganhei o terração da casa.... A piscina estava verde e escura, com muitas plantas aquáticas a cobrindo. O chão já estava coberto pela vegetação verde... A piscina parecia um lago, pois suas beiradas foram cobertas por plantas diversas... O portão não existia... Só árvores fechando caminhos impossíveis... Peguei mata a dentro e os barulhos naturais dos animais eram mais intensos: macacos, borboletas enormes, esquilos... Sai desnorteado sem nem saber para onde ir... Era preciso andar, andar... Até encontrar uma resposta para esse absurdo sinistro! Meu celular estava descarregando e sem esperança de sinal , só o levei para aproveitar a lanterna. O relógio de pulso marcava oito horas da manhã. Andei, era preciso andar e andar... A mata se fechava cada vez mais, usava o facão para abrir caminho. Até as duas da tarde caminhei, sete horas sem parar de andar e nem um sinal - sinal de que? Nem sabia o que procurava! Gritava o nome de meus pais, irmãs e alguns amigos! A fome e a sede começavam a fazer efeito. Há essa hora estaria saindo da indústria para almoçar e comprar o presente de minha noiva. Trabalhava em uma fábrica de montagens, no departamento de informática. Será que já fui demitido? Eu faltei sem dar uma satisfação! Queria ligar para minha noiva pra ela não pensar que tinha esquecido o seu aniversário. Mas cadê ela? Cadê Araguari? E o Recife? E o Rio, São Paulo? Porto Alegre? Manaus? Será que estou no Brasil ou em outro país ou planeta? Pensei em retornar para casa, comer algo... Mas já tinha me perdido e a comida foi toda devorada pelos bichos! Já eram duas da tarde, e nesse intervalo caminhei sem parar. Tudo estava escuro e muitas vezes tinha que usar a lanterna do celular, pois as árvores fechadas impediam a luz do sol de penetrar. Estava sem bússola, exausto e cansado, só mata, mata, mata, mata... Bichos diversos que nunca vi, a não ser nos livros de ciências. Meu medo era aparecer uma onça, um lobo... Vi uma anta, levei um forte susto, esperei ela passar. Pelos animais que via, parecia estar mesmo na América do Sul, não sei onde! Cai de cansado. Burrei! Devia ter pegado água e comida! Mas como? Estava tudo tomado pelos bichos! Precisava aplacar a sede, encontrar um rio... Deitei e comecei a chorar! Queria uma explicação! Vou morrer? Uma sonoridade harmônica envolvia meus tímpanos, era “Prece cósmica” dos Secos & Molhados, tocando ao longe, estava bem baixinho... Fiquei atento! Levantei esperto de orelha em pé, como um cão quando escuta o seu nome. Tentei identificar de onde vinha a canção! Era o meu disco? O macaco roubou o vinil, será que entregou ao mago que fez essa loucura toda e ele está ouvindo o meu LP? De onde vem o som? Onde ele mora? Fiquei ligadão! Não tinha nem uma bússola! Estava perdido! Não dava para saber de onde vinha o som! Iniciei uma nova marcha, em direção ao que seria mais coerente a música vir. Era como grãos que eu ia seguindo... A canção não aumentava e nem diminuía o seu volume, andei bastante, já eram cinco e quarenta da tarde e tudo escurecia... A sede e a fome começavam a me acertar! Impossível continuar, o corpo alquebrado não permitia. Extenuado meus joelhos dobram, deito no chão! Maldita música que não para! Será que é delírio de minha cabeça? É só uma canção, se ao menos fosse todo o disco rolando, seria menos entranho. Mas só era essa faixa do disco que exaustivamente tocava sem parar e eu já estava irritado... Ouvia ela bem longínqua! Fechei os olhos... Dormi... Ou morri... Esperar a morte ou o dia seguinte seria a atitude mais sensata. Continuar a caminhada no negrume da noite que não podia. Não via nada. A escuridão era selvagem, miserável, implacável! Seria eu presa de algum bicho feroz? Já estava todo calombado de picadas de mosquitos de espécies diversas. O frio e a forte chuva que caia, completavam o meu desfecho. O celular já era... Bateria zero, e nada de lanterninha. Uma tontura... Abria a boca e aplacava a sede com a água da chuva... Apaguei! Quem sabe acordaria em minha cama?

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