sexta-feira, 31 de agosto de 2007

OS MOMENTOS FINAIS DE SAMARA



I

Dizem que as estórias são para serem contadas - e às vezes entendidas. Estive no local onde ocorreu o sinistro fato, e fui tricotando, fuçando, aglutinando depoimentos e garimpando informações. Vamos lá...

Samara sentia fortes dores na cabeça e sofria freqüentes desmaios. Iria ainda fazer o diagnóstico para saber o que causava as fortes dores. A garota tinha hábitos estranhos na concepção de seus pais. Ela gostava de se vestir de preto, freqüentar as festas raves do Recife Antigo, regada com muita musica tecno de todos os gêneros e consumia bebidas químicas diversas. Não mergulhei mais fundo na filosofia invernal adotada pela garota, porque estava mais interessado em registrar informações do seu misterioso e sinistro paradeiro. Do rapaz Christian, falarei no final, onde ele entra como peça chave desse caso mal esclarecido e embutido de enigmas e mistérios. Sei que acham absurda essa estória, fora de padrão e parâmetros da realidade, mas o seu ex-namorado Ulisses teima em provar e mostrar a carta deixada pela mesma. Há quem diga que a carta é falsificada e Ulisses ficou doido de amor. Mas é a letra dela! Como Samara iria deixar uma carta depois de morta? Samara morreu! Era assim que a mãe de Ulisses gritava sacudindo ele quando teimava em mostrar a carta relatando o paradeiro de Samara:
___Ulisses! Samara morreu! Morreuuuuuuuuu entendeu!? E tu tá vivo menino! Vivooooooo!! Entendeu!? Tu ta doido menino!? Para com isso! Vou te levar ao psiquiatra, isso já ta passando dos limites! Vou queimar essa merda de carta que tenho certeza que foi tu mesmo que escreveu!
A mãe já saturada desse assunto sem pé nem cabeça, avançou para cima de Ulisses com o objetivo de confiscar a carta e colocar um ponto final na prova falsa e forjada que segundo achavam. Ulisses segurou a carta com toda sua força... Sua mãe tomou um semblante de raiva, sentou a porrada no garoto e gritava lutando agarrada com ele por cima do sofá, puxando seus cabelos e tentando a todo custo tomar a carta da mão do rapaz:
___Me dá essa merda de carta agora! Eu vou queimar! Me dáaaaa!!
___Não douuu!! Me solta!!
Ulisses não soltava o papel com as letras de Samara... Em um vacilo, escapou das mãos de sua mãe e saiu correndo como louco pela rua, até a praia...
___Volta aqui seu moleque! Eu vou te internar se tu continuar com essa estória de doido!! Tu é igualzinho a teu pai aquele filho da puta!!! Voltaaaaaaaaaaaaaaa aquiiiiiii Ulisses!!!
Ulisses corria sem parar com lágrimas nos olhos... Seu destino era o mar, aonde sempre ia quando estava triste ou brigava com sua mãe! Sentou nas areias da praia, a tarde descia laranja, mirou a linha do horizonte no oceano, o mar fazia ondas regulares... Lembrou de Samara, ela desenhava-se com nitidez em sua mente: cabelos longos cor de fogo, meio quebradiços pela química da tinta vermelha, pele semi-ruiva, muitas sardas, olhos castanhos claros, pernas e coxas grossas, destacando pêlos dourados por descolorante com brandon e tinha som de voz arrastada, rouca... Era uma garota muito bonita. Já o Ulisses era normal, pele do rosto pouca estragada por espinhas, mas de aparência agradável, apesar do forte grau dos óculos fundo de garrafa! Samara chamava atenção pelas suas coxas fartas! Sua beleza era exótica, pois tinha olhos puxados, e pintas marrons que desciam pelos seus bustos fartos e rosados! Seus lindos lábios eram secos do sol e sempre salpicados pela sua saliva. Ulisses conheceu Samara em uma casa noturna do Recife, localizada no bairro de Santo Antonio, ilha portuária e lotada de boates underground. Ela ofereceu um tipo de ácido para Ulisses, uma pastilha vermelha... O som tecno rolava alto nos caixas da boate improvisada em um casarão velho do Recife Antigo. O garoto que ingeriu uma cápsula oferecida por Samara mergulhou em um mundo de cores e luzes, extraindo uma energia impressionante, não parando um segundo de dançar. Sentia uma sensação de auto-suficiência, de maior e o melhor cara do mundo, uma alegria inexplicável, e seu coração disparava em alta velocidade no ritmo das batidas do tecno dance... Samara se aproximava entre luzes que piscavam velozmente e flashs desconcertantes que saiam dos strobow e dos projetores. Gelo seco... Fumaças iluminadas pelas cores variadas das luzes... Movimentam-se braços, pernas e mãos estendidas para o alto erguendo copos cheios de embriaguez. Luzes apagam. Acendem. Apagam. Acedem. Samara aproximava-se clareada pela luz que piscava freneticamente sobre sua face, iluminando psicodelicamente seu sorriso e seus movimentos exóticos, que a davam um semblante de deusa da escuridão. Os lábios se tocam. Música dançante. Toneladas decibéis. Os corpos se entregam ao prazer à loucura desenfreada bebendo das bocas os licores da noite, percorrendo o gelo da bebida nos corpos ardentes. Luzes acedem. Apagam. Acedem. Apagam... *

II

Doze horas da manhã de um domingo ensolarado... Ulisses desperta e tenta lutar contra o sono. O sol era insistente em acordar o garoto que teve uma noite inesquecível, tentava raciocinar para saber se a gloriosa noitada foi real ou um sonho. Mas ainda estava com a forte fragrância do perfume de Sâmara - a prova da feliz realidade. Fez força para se levantar e o sol implacável socava sua face com golpes de toneladas de luzes naturais! Na porta de madeira prensada escuta o barulho do toc de sua mãe:
___Acorda Ulisses! Isso é lá hora de ta dormindo!? Venha trocar o botijão de água!! Vamos! Acorda! Tem o lixo pra tu levar e quero que tu vá comprar batatas no mercadinho! Acorda!
Para Ulisses, a vida começara a valer a pena naquela noite, Samara morava próximo a sua simples residência, e o garoto já era há muito tempo apaixonado pela mulher das lindas coxas destacadas. Estudaram juntos, e na infância Samara era a sua paixão platônica. A mãe do rapazote foi deixada pelo seu pai que é professor de história e por isso batizou o filho de Ulisses, o educador de cursinhos pré-vestibulares a trocou por outra mais nova, uma aluna. Era mulher amargurada e o filho tinha o dever de ampará-la e dar apoio. E era o que Ulisses fazia! O namoro com Samara começaria naquela tarde de domingo, no Alto da Sé em Olinda. Na segunda-feira, depois que largassem do colégio - Ulisses estudava em escola pública, e Samara no Marista, colégio tradicional do Recife - iriam a lojas Americanas roubar canetas, chocolates, pequenas bijuterias e tudo que fosse miudezas e que coubesse nos bolsos da calça. O garoto influenciado por Samara nunca praticou furto em sua vida, e mirando o Recife aceso ao longe do Alto da Sé sob o céu estrelado, disse:
___Tu ta doida é menina!? Tu rouba!? Tu faz isso desde quando? Tu não precisa, teu pai é rico e tu tem tudo, tu estuda no Marista!
Samara sorriu com sua expressão de despreocupação com a vida e suas conseqüências, e respondeu:
___Deixa de besteira Ulisses! Faço isso por diversão, a vida tem que ter adrenalina! Nunca fui pega, acho tão gostoso fazer isso... Sabe!? Esconder aquelas canetas rosinhas, batons, chocolates alpinos, bombons sonho de valsa... Eu tenho dinheiro para comprá-los, mas qual é a graça que tem?? O chocolate é mais gostoso quando tem risco, quando é roubado sob o perigo de ser pega pelos seguranças!! E se me pegarem... Ah! Sou de menor! Não vai dar nada!
Ulisses não aceitava a argumentativa ilegal de Samara... Mas o rapaz estava apaixonado, a garota acaricia a sua face, olha nas pupilas de dúvida de Ulisses, sorri e pergunta:
___E ai? Vamos?
___Embora? Já ta tarde né! E temos que pegar ônibus!
___Não Ulisses! To falando de amanhã! Quando a gente largar do colégio, tu me pega lá no Marista, fico te esperando e a gente vai roubar na lojas americanas! Tu vai comigo! Vale pegar tudo que for miudezas!
Ulisses nega e alerta:
___Não Samara! Não tenho coragem pra fazer isso! Além do mais os seguranças quando pegam de menor roubando, eles dão um banho de coloral e bota o cara pra correr pelas ruas!
Samara libera uma risada despreocupada e aplica-lhe um forte e molhado beijo, e Ulisses vai à lua e volta sem tirar os pés do chão. Ela fala suavemente, bem baixinho no seu ouvido passando os dedos vagarosamente nos seus lábios:
___Não gosto de homens que não tem coragem...
Ulisses respira fundo...
___Ok! Tu venceu! Mas se a gente for pego?
Samara sorri e lhe dá um outro beijo, abraça-o, e passeando a ponta da língua em sua orelha diz sussurrando baixinho no seu ouvido:
___Confie em mim! Te amo!
No dia seguinte Ulisses saiu mais cedo da escola pública João Barbalho e foi buscar Samara entrando na Avenida Conde da Boa Vista em direção ao Marista, assim como o combinado. Ao chegar no colégio, recebeu um beijo de Samara como prêmio, e ela ao tocar nas mãos de Ulisses, a sentiu geladas de ansiedade ... Ela riu e disse:
___Que isso meu amor? Tu ta com medo é? Fica tranqüilo, confie em mim!
Apaziguou Samara com seu sorriso misterioso e despreocupado com a vida. Entraram na loja, Ulisses não disfarçava o nervosismo... Ele parou, se esquivou e disse a Samara:
___Olha... Eu te espero lá fora ok!?
Samara soltou uma gargalhada debochada...
___Não acredito Ulisses!? Tu ta se pinando de medo menino! Tu vai ver como é gostoso fazer isso! Tu não precisa pegar nada tá! Só observa como eu faço, é bom mesmo tu só dessa vez olhar... Sei o momento exato de roubar escondida das câmeras... Tu aprende! Eu sou danada, vê só!
Samara estava de mochila e com muita habilidade e coragem colocava os furtos dentro da bolsa disfarçadamente sem nem ao menos o próprio Ulisses perceber, eram canetas e chocolates M&M, Laka, e o seu preferido Alpino - furtava vários Alpinos! Depois saia na boa tranquilamente, e Ulisses impressionado com o sangue frio de Samara, nem acreditava no que via. Ela ganhava as ruas rindo de sua própria esperteza e de seu ato clandestino...
___Tá vendo Ulisses!? Sou danada! Sou phoda com PH mesmo! Os dois foram para o Parque 13 de Maio, namorar, comer os chocolates roubados e dividir as canetas! No dia seguinte, combinaram de furtar na bomboniere do Shopping Boa Vista. Pela loja ser minúscula, mas com enorme variedade de chocolates, era mais difícil roubar, e para Samara, era mais um gostoso desafio! Dessa vez Ulisses ficou fora da loja, ansiosamente aguardando algum “pepino”, mas logo saia Samara com um belo sorriso largo expondo seus dentes meio amarelados naturalmente. Mais um roubo bem sucedido! Vários Alpinos com embalagens douradinhas abarrotavam a sua bolsa. Um dia ela poderia se dar mal, e quando o barco afundasse, Ulisses iria junto. Mas eram “de menor”, a até aquele presente momento, seus furtos sempre foram aventuras bem sucedidas.

III



Na sexta-feira Samara o convidou para ir a mais uma casa noturna improvisada nos casarões velhos do Recife Antigo. Ulisses queria muito ir, mas estava sem grana. O que fazer para conseguir dinheiro? Samara era bem de vida e os seus pais davam dinheiro quando queria. O rapaz tinha a sua honra e não queria jamais que a garota bancasse a sua noite. Ulisses teria que fazer um bico, sua mãe recebia apenas à pequena pensão de seu pai professor de historia e não sobrava dinheiro para supérfluos. Ela estava na justiça para receber um valor mais alto de acordo com o seu salário de mestre de cursinhos pré-vestibulares. Ulisses foi até o Especial procurar o seu pai, mas o velho já tinha saído para o outro cursinho, então o garoto louco para pegar em dinheiro, foi até o seu novo apartamento nos Aflitos e lá permaneceu até o seu pai chegar à noite... Mas o professor não chegou, e sim a garotinha que era sua nova esposa! Menina linda e tão nova quanto Samara, um pouco mais velha que Ulisses. Ela entrou, pendurou a bolsa em uma cadeira, fitou o rapazote, sorriu e interrogou:
___Olá! Boa noite... Tu é o filho de Dorival né? O Ulisses?
O rapazote muito enraivecido com o fato de a garota ter tomado o seu pai de sua mãe, respondeu:
___Sou sim! E tu que é a ladra de marido? Ta na cara que tu só que a grana de meu pai! Sabe... Lá em casa tá faltando tudo! E ele aqui, nesse apartamento, sustentando o teu luxo de patricinha! Tu é uma puta! É isso que tu é! PUTA!
Ligia, a nova dona do coração do conceituado professor de historia do Recife, olhou indignada e instigada para Ulisses com o dedo em riste.
___Escuta aqui garoto! Teu pai que veio atrás de mim! Não tenho culpa se tua mãe não fazia ele feliz o bastante! E puta é tua mãe!
Ulisses fechou o punho e sentou a porrada na cara de Ligia que a fez cair por cima do bar de uísque. A empregada logo veio separar e tratar de expulsar Ulisses. O garoto desceu o elevador chorando imaginando a grande besteira que tinha feito, o seu pai iria ficar muito irado, e agora não sairia na sexta com Samara, porque não teria o dinheiro do seu coroa. Pois iria mentir que queria grana para comprar mantimentos que faltava para a casa: cadernos, livros, canetas... Estudava em escola publica por castigo, pois tinha sido reprovado no São Bento. No dia seguinte, faltou a escola e foi tentar um bico escondido de sua mãe... Pegou a enxada e foi limpar um enorme terreno que fazia parte do condomínio de um prédio no Janga. Passou toda manhã e parte da tarde capinando o terreno baldio e arrecadou pouco mais de quarenta reais. Agora tinha uma graninha para sair. Pois sexta-feira a noite não era, sem a beleza exótica e misteriosa de Samara. Saíram juntos para pegar a condução até o Recife Antigo... Os dois foram para as boates localizadas nos casarões velhos da Ilha de Santo Antônio, zona portuária da cidade. O DJ soltava “COME WITH US” do Chemical Brothres, CD recém lançado na época e queridinho dos DJs do Recife. Luzes apagavam. Acediam. Apagavam. Acediam.... Canhões de iluminações vermelhas e azuis, lazeres, piscares frenéticos projetados dos strobow, fumaça de gelo seco, e taças, latas e copos com bebidas diversas erguidas para cima sob o piscar de luzes desconcertantes ferindo a escuridão sombria do casarão! As batidas lisérgicas da canção tecno “Star guitar” saia dos enormes caixas da boate. Mais uma vez os lábios se tocavam.... Ulisses estava no céu... Viveria o resto de sua vida com Samara. Morreria por ela, quanto mais furtar guloseimas e miudezas nas lojas do Recife! Samara sumia na escuridão piscante entre luzes indisciplinadas... Onde estaria? Ulisses a procurou por toda a boate, desceu e subiu várias vezes os andares que dividiam os ambientes do tecno e do rock. Samara sumiu? Em um momento estava ao lado de Ulisses, e em um piscar de olhos ela some na escuridão iluminada por luzes psicóticas. Subiu novamente as escadas e na parte de cima, deparou-se com uma cena impactante: Samara beijando um rapaz loiro! A garota já estava dopada pelas cápsulas coloridas. O coração do rapaz foi na boca. Sentiu uma dor seca no estomago. Parecia um tiro de supetão. Não acreditava no que via e nem sabia o que fazer. Ulisses saiu desesperado da boate, ganhou as ruas do Recife Antigo, e foi até o litoral do Marco Zero, na zona portuária... Sentou nos bancos de pedra de frente para o mar onde tinha navios atracados... Fazia frio. Olhava a luz de um navio longe, na linha do horizonte no negrume da noite estrelada... Sua vontade era voltar à casa noturna e surrar aquela garota idiota ladra de chocolates Alpinos... Dá umas porradas naquele loiro boa pinta que beijava Samara... Mas a amava com toda força de seu pensamento! E o loiro parecia ser bem mais forte do que Ulisses... O navio que cruzava a linha que cerca o mar era um cruzeiro, bastante aceso, ele queria estar lá, naquele enorme navio, que deveria estar cheio de gente feliz da vida. Lembrou de seu pai e de Ligia, linda garota aluna do mesmo, estava muito arrependido de ter agredido a mulher que roubou o marido de sua mãe. Seu pai não o perdoaria. Perdeu a razão, mas a menina foi afoita em agredir verbalmente a mãe de Ulisses, o que ele tem de mais sagrado. O navio deveria estar indo para o norte. Andou até o cais de Santa Rita para pegar o ônibus da madrugada... Atravessou a ponte e o Rio Capibaribe passava lento e nem se importava com ele, mas, no entanto o convidava para misteriosos carnavais. Pensou até em se jogar... Só pensou. Queria ir mesmo embora, tentar esquecer a noite... O rapazote não dormiu, estava registrada a imagem de Samara beijando o rapaz loiro. Queria mesmo deletá-la de sua vida, como quem deleta um vírus do computador... Mas era tarefa impossível, Ulisses respirava Samara. Seu medo era ser trocado pelo rapaz loiro da boate! A insônia era um inferno... O dia amanhecia e ele só pensava em Samara. Onde estaria? E o rapaz loiro, quem era? Será que tinha carro e a levaria para um motel? No mínimo a deixaria em casa, coisa que Ulisses não tinha condições de fazer, pois não tinha carro! Existia tanto desejo por Samara, que deitado em sua cama, se masturbou para a mesma, depois chorou! Só ai o incontrolável sono veio... Mas já eram sete da manhã.

IV

No dia seguinte, no sábado, Ulisses não almoçou, apenas acordou, tomou um banho e foi até o cursinho pré-vestibular que Samara estudava no centro da cidade. Queria muito falar com ela. O garoto foi com o coração na boca! Com muito receio e medo de já ter perdido Samara pelo concorrente loiro dos cabelos longos e lisos. Seu coração batia tão descompassado que pensava que teria uma parada cardíaca, sentia dores de barriga e suas mãos suavam de ansiedade. Mas tinha que ir lá... Não esperaria Samara voltar de noite ou no dia seguinte, talvez o loiro fosse buscá-la no cursinho com o seu carro e levá-la para passear! Antes ele surraria o loiro filho da puta que roubou a sua namorada! Agora sentia o pouco que sua mãe sentiu ao perder o seu pai por uma mulher mais jovem. Desceu do ônibus, se dirigiu ao portão do cursinho e aguardou o horário de largada. Todos os alunos saiam, menos Samara... Qualquer mulher de cabelos vermelhos a lembraria... Parou uma garota que residia no Janga e conhecia Samara:
___Olá Diana! Samara já largou? A que estuda no Marista?
___Opa! Ulisses! Tudo bem? Samara deve ta no hospital! Tu não sabia? Saiu ontem e de uma boate e foi bater desmaiada no hospital com forte dores na cabeça, dores tão fortes que ela gritava e delirava!! Parece que estavam na boate Ilha Underground, no Recife Antigo... E foi um cara galego que a levou para o hospital e de lá ligou para os pais dela!
___Qual é o hospital que ela ta?
___Ah Ulisses, não sei... To por fora...
O garoto voltou desesperado para casa e a essa altura a sua mãe já sabia tudo sobre o acontecido com Samara. Foi levada para o Hospital da Restauração e de lá transferida para o particular Santa Joana. Finalmente foi diagnosticado um tumor maligno no seu cérebro bastante desenvolvido. Já tinha realizado a tomografia no mesmo hospital. Os médicos foram sinceros e diretos, informando com cautela que não tinha chances de vida, era impossível operar, só restando mais alguns meses... A qualquer momento ela poderia morrer! Teria de ir para casa e aproveitar o restinho de vida sob cuidados médicos. Alguns remédios “quimioterapicos” e anti-dores para ingerir até esperar um milagre de Deus. Como informar a Samara? Sua mãe não queria avisar! Seu pai mais coerente achou melhor dizer a verdade! Mas como? Bastante delicada a situação! Levar ao psicólogo? Seus pais e familiares choravam sem parar... Perder uma filha única assim, era o inicio do fim do mundo.
Sua mãe implorou aos médicos uma solução. Como é que pode a sua filha está condenada assim? De algum jeito a garota saberia, era difícil mentir para Samara, ela descobriria.

V

Samara acordou em casa, teve alta e estava bem humorada. Foi até a enorme sala de sua casa... O sol estava lindo! O dia convidativo a uma praia, pegou “COME WITH PLUS” seu CD preferido, e jogou na bandeja do som... Seu pai estava deitado no quarto com a cabeça atolada no travesseiro chorando e sua mãe na cozinha, também com os olhos vermelhos:
___Ué mainha? O que está havendo? Painho no quarto chorando e tu também? Tu nem ta cortando cebola! O que houve no sábado? Desmaiei foi?
Silêncio...
___Mainha!? O que que ta havendo!? O que ta pegando comigo!! Quero a verdade!
Samara já estava nervosa com os olhos vermelhos de lágrimas... Voltou até a sala e baixou o som. Foi novamente à cozinha já chorando e exigindo, gritando a verdade...
___Mainha!! Tu e painho chorando!? Porque? O que está acontecendo? Me fala!
Silencio.
___Mainha! Por favor, me fala! Qual foi o resultado da tumografia? Mãeeeeee falaaaaaaaaaaa!!
Sua mãe desaba em choro, abraça forte sua filha... Não precisava dizer mais nada.
___Eu vou morrer mãe??? Hein mainha falaaaaaaaaa!!!! Pelo amor de deus!!! Eu não quero morrer!!!!Silencio. Choro... O pai aproximou-se... E constatou a cena... Passou direto para a garagem da casa e saiu, para beber, beber e beber! Era difícil encarar a realidade da perda de uma filha única.

VI



Samara agora freqüentava seções com psicóloga e estava se adaptando a morte! As dores eram mais freqüentes. Ulisses foi visitá-la e nem comentou o ocorrido na Ilha Underground, em relação ao rapaz loiro, pois amava tanto Samara que era capaz de tudo por ela. Agora tomando conhecimento do seu problema delicado de alto risco, de a qualquer momento fechar os olhos pra sempre e partir para a dimensão desconhecida, ele virou uma espécie de namorado-irmão. O rapazote estava decidido se anular com um tiro na cabeça depois que Samara falecesse, pois segundo sua mãe que era da religião espírita, ele acreditava que poderia encontrar com ela no outro plano desconhecido. A mãe de Ulisses não aceitava tanta dedicação do mesmo pela garota dos cabelos vermelhos:
___Filho! Tu ta vivo! Infelizmente ela se vai... E tu? Como tu vai ficar depois que ela morrer!? A vida terá que continuar pra tu!
A vida de Ulisses era Samara, desde a infância quando estudaram juntos no Virgem Imaculada. Estava sempre junto a Samara, confortando-a, auxiliando-a, limpando suas lágrimas, controlando seus remédios e tornando um companheiro de força da família da garota. Em um domingo, Samara teve uma forte dor na cabeça, tão intensa que desmaiou, e foi levada urgentemente pelo seu pai ao hospital. Permaneceu internada quase uma semana. Depois recebeu alta. O tumor se desenvolvia, mas as dores cessavam e voltavam. O tratamento a base de quimica, tirava o peso de Samara, que já tinha perdido quinze quilos em poucos dias, os cabelos estavam ralos e caindo pelo o efeito da quimioterapia. Os sintomas eram bastante variáveis: cefaléia (preferencialmente pela manhã), vômitos em jato, perda de coordenação motora, tontura, perda de visão, perda de audição, dor no rosto, perda de força em um lado do corpo, perda de sensibilidade nos braços... Mas ainda encontrava força para viver! Em um belo dia resolveu aproveitar o seu resto de vida! Ligou para Ulisses e o convidou a sair pelo Recife. Samara já não freqüentava o cursinho pré-vestibular e muito menos as seções de psicologia. Ela estava fraca e debilitada, e por esse motivo saia escondido de seus pais. Iam às praias desconhecidas do litoral pernambucano, andavam pelo Mercado São José, comprando tudo que era artesanatos, ela entrava nas lojas Americanas para furtar chocolates Alpinos... Ulisses ficava do lado externo da enorme loja aguardando-a. Subiram na Torre Malakoff de onde se via todo o Recife, o porto e Olinda ao longe do lado direito. Sentaram nas muralhas da torre, próximos ao telescópio, e dialogaram observando a cidade do alto.
__Será que vou mesmo morrer Ulisses?
Os dois sentados, na muralha de uma altura relevante, o vento forte soprava as peles das faces e brincava com os cabelos de Samara, vermelhos, lisos e ralos pela quimioterapia. Ulisses acarinhou os seus fios de cabelos e disse mirando o horizonte urbano:
__Sabe Samara... Morrer acho que não, segundo mamãe, ela disse que a gente não morre, só vai embora desse planeta, apenas abandonamos o corpo, mas nosso espírito continua vivo, ele é eterno!
Samara riu... O sorriso ainda era o mesmo, de despreocupação com a vida...
__Quer dizer que eu serei um fantasma!!! Vou te cutucar de baixo da cama viu!?
Os dois caíram em uma alta gargalhada e voltaram a se beijar... Ulisses sentia o gosto amargo de sua saliva, atingida pelos remédios químicos. Abraçou Samara forte... O vento estava revolto... Mirou o mar e o porto do outro lado da torre e disse:
___Se tu morrer, eu morro junto! Vou junto com você Samara, porque a vida aqui não terá mais graça sem você!
A garota sorriu com um brilho no olhar e o abraçou forte novamente.


Samara nunca tinha experimentado maconha, pois queria de todo jeito sentir o efeito da erva! Pediu ao seu namorado para buscar o produto ilegal. Ulisses não fumava nada, mal ingeria bebidas alcoólicas...
___Tu é doida mesmo né menina!? E onde vou conseguir maconha pra tu?
__Ah Ulisses... No Pina, em Brasília Teimosa, ouvi dizer que tem uma boca de fumo arretada lá!!
__E tu acha eu sou doido de ir lá?? Tu tem é que ter hábitos saudáveis Samara, que merda de maconha!!!
Samara tocou lentamente seus lábios com os dedos...
__Tu me ama mesmo Ulisses?Faça isso por mim!
Ulisses respirou fundo, já estava anoitecendo e precisavam ir embora...

VII

No dia seguinte, Samara colocou sessenta reais nas mãos de Ulisses. O rapazote sabia muito bem do risco e da loucura de procurar uma boca de fumo sem nunca ter ido comprar drogas. Ele pegou um ônibus, Samara o esperava no Alto da Sé... Foi até o bairro do Pina e na praia tinha uns surfistas pegando ondas no mar, Ulisses perguntou a um dos pegadores de ondas onde teria uma boca de fumo pra comprar um boro. O próprio surfista o levou na boca, a troco de dez reais... Comprou uma boa quantidade, socou em uma bolsa e saiu com o coração na mão para pegar o ônibus e se encontrar com Samara no Alto da Sé. Subiu as ladeiras de Olinda até o Alto... Samara estava lá sentada observando a cidade da altitude... Eram 16 horas da tarde... Ulisses chegou por trás e colocou as mãos tampando seus olhos...
___Advinha?
Samara sorriu...
__Já conheço o teu cheiro e tua voz seu bobão!
Ulisses tirou o saco de erva pronto para consumo e entregou-a com o troco do dinheiro...
__Tá aqui? Morri de medo! Que lugar escroto! Só tu mesmo pra fazer eu comprar maconha na boca!! Acho errado o que tu ta fazendo garota, está fazendo quimioterapia, não pode... Mas... Tudo bem... Eu sou um babaca mesmo!
Samara o beijou e preparou um baseado, sem nem saber direto como enrolar para fumar, pegou um isqueiro... Passou a tarde fumando a erva. Ulisses não quis... Sentia o seu corpo leve e uma alegria sem fim. Ria de qualquer coisa. Do Alto da Sé ao invés de irem para casa, a garota o tentou para ir ao Recife Antigo... Para a Ilha Underground... O rapazote se lembrou do loiro que a beijou e do constrangimento que passou, e até agora não teve coragem de comentar o ocorrido com Samara...
___Pra lá não Samara!!Vamos pra casa...
___Deixa de frescura menino!!! Pra lá sim!!! Vamos!!! Eu pago tudo!!! Quero dançar!!
Samara jogou o resto da maconha fora, passou no caixa eletrônico do banco tirou mais dinheiro...
___Pronto! Vamos!!
Estava sobre o efeito da erva, com o seu sorriso largo estampado no rosto, de despreocupação total! Dançaram a noite toda, em plena quinta-feira... O som que rolava era o seu preferido, Chemical Brother, COME WITH US... Por isso Samara amava a Ilha Underground, os DJs da casa noturna já sabiam o seu disco predileto, e pela a beleza envolvente da garota, colocavam sempre as canções do disco para tocar em sua homenagem. Samara ingeriu mais pastilhas coloridas e misturou com o efeito da maconha... Dançava sem parar, e mesmo magra e abatida pelo desgaste das sessões de quimioterapia, ela tinha bastante energia. Uma garota se aproximou de Ulisses, fumando um cigarro de canela... Sorriu e o convidou para dançar. Ela tocou no peitoral do garoto, tirou os seus óculos para conferir a cor de seus olhos.
___São lindos!
Ulisses ficou vermelho de vergonha, tentou se sair, pois estava acompanhado. A rival de Samara começa a dançar movimentos exóticos na frente do seu namorado. A menina dos cabelos tingidos de vermelho fogo não teve duvidas e nem pensou duas vezes. Partiu com tudo para cima da garota que tentava ganhar Ulisses.
___Sua puta!!!
Pulou em cima dela e se pendurou em seus cabelos. A musica das enormes caixas da boate parou! Samara caiu por cima da garota e começou a socar o rosto dela. Todos foram para cima tentando separar, os seguranças pediam licença, pois a confusão estava tumultuada.
___Me larga!!
___Vou te ensinar a nunca mais olhar para meu namorado sua rapariga escrota!!
Samara mordeu o nariz da garota e não tinha segurança que a fizesse soltar. Ulisses desesperado puxava sua namorada. Mas Samara estava decidida a arrancar o nariz de sua rival noturna. Ulisses pegou sua namorada à força para levar para casa, a jogou em seu ombro esquerdo, tomou as pastilhas e jogou fora... O sangue encharcava a roupa de sua adversária. Os seguranças expulsaram Samara e Ulisses e a menina que paquerou o rapazote foi levada ao hospital com o nariz cortado jorrando sangue. Com Samara em seus braços, Ulisses chamou um Táxi... Ela vomitava sem parar, estava desmaiada, sentia tontura, delirava enrolando a língua e dizia que queria morrer... Foi levada para o hospital novamente... Ulisses ligou do hospital para os pais da garota, que foram urgentemente para o Santa Joana onde Samara encontrava-se acabada pela noite. As dores na cabeça começaram implodir com toda força, a perda dos sentidos... Os médicos sabiam que a garota tinha consumido drogas. Os pais chegaram e foram para cima de Ulisses o culpando pelo estado deprimente de Samara.
___O que tu fez com ela!!??? Seu porra!!! O que tu fez??
___Não fiz nada! Calma, ela só passou mal...
Samara foi direto para UTI.

VIII

Quando já estava em casa novamente, ela encontrava-se bastante debilitada, fraca, mais magra, e quase sem cabelos, não saia de casa e não recebia mais visitas de ninguém, a não ser de Ulisses... Tinha vergonha de se mostrar tão debilitada fisicamente, pois era uma das garotas mais cobiçada do Janga. Queriam suspender a quimioterapia inútil, pois os médicos tinham a leve esperança de retardar o tumor. Já não era a Samara de antes, suas coxas não chamavam mais atenção, estavam bem magrinhas, os pelinhos não dourava mais com brandon, e nem o bronze do mar tinha mais... Ela estava tão magra que quase não tinha forças para andar, todo seu alimento era vomitado, tomava soro e vitaminas. Ulisses apesar de tudo e da aparência raquítica de Samara, a amava com toda sua força. O garoto se desesperava a cada dia que passava, pois não se adaptaria a idéia de perder-la. Ficava revoltado com deus! Que deus é esse? O rapazote já tinha acesso livre na casa de Samara... Assistia filmes com ela, ouvia musica, conversava, ajudava a sua mãe com os remédios, a carregá-la para a cama... As dores eram freqüentes. Seu pai tomou a decisão de deixá-la de vez no hospital em observação. A mãe não aceitou. Em uma conversa na sala ouvindo musica com Ulisses, ela acariciou o rosto do garoto e disse:
___A gente nem fez amor né Ulisses??
Ulisses ficou vermelho de vergonha, e não sabia o que responder... Ela riu notando o encabulamento do rapazote...
__Ulisses!! Tu já fez sexo?? Tu é virgem né!?
Ulisses vermelho como um pimentão, não sabia o que dizer...
___Pois eu já dei a boceta, sabia? Foi para um cara, um galego dos olhos azuis que conheci na Ilha Underground...
Ulisses sabia quem era... O loiro que a viu beijando na boate. Engoliu seco. O rapazote pensou grilado: então os dois foram para o motel, e lá Samara deve ter passado mal. O garoto perguntou quando foi que ela transou.
___Ah! Já faz um tempinho... Eu nem sonhava em ficar com tu!
Não sabia se era verdade, mas não comentou em relação ao que viu na casa noturna. De que adiantaria? Gostava dela e pronto! Nesse momento ela precisava dele.

IX

Um dia quando Ulisses voltava da escola ligou do orelhão por acaso para a casa de Samara, a fim de saber como ela estava. Não devia ter ligado...
___Ah Ulisses!! Ainda bem que tu ligou menino! Quero chocolates!!! Sou chocolatra e quando bate a vontade eu fico doida aqui!
___Só que eu estou sem grana aqui Samara, quando chegar ai no Janga eu compro pra você!
___Quero Alpinos, só tem nas lojas Americanas...
___Tu não quer que eu vá fazer o que tu fazia né!!??
Samara riu debochando... A mesma risada de despreocupação...
___Deixa de ser mole menino... Vá lá, faça isso pela sua princesa que está morrendo!! Cadê seu amor por mim??
Ulisses chateado desligou o telefone, não iria fazer uma loucura dessas de roubar chocolates. Sabia que Alpinos tinha em qualquer lugar. Isso sem contar com o banho de coloral que levaria. Mas ao passar em frente às lojas americanas, seu coração bateu, parecia que tinha um diabinho em seu ouvido incentivando a cometer os atos ilegais de Samara. Só que a menina dos cabelos pintados de vermelho fogo tinha a prática, a cara de pau... Ulisses era marinheiro de primeira viajem. Respirou fundo e entrou na loja, com o coração a mil, pensou em voltar, mas já tava dentro e ia arriscar, para Samara saber o quanto ele gostava dela, a ponto de roubar por ela. Os Alpinos estavam lá, aos muitos, tentadores de embalagens douradas... Suas mãos tremiam tanto que deixou cair uns chocolates no chão... Olhava para os lados e socava os Alpinos dentro da mochila... Tremia muito... Saiu em direção a porta de saída com o coração na garganta... Diziam que quem roubasse nas lojas Americanas, por se de menor, os seguranças dava um banho de pó de coloral, e soltava o cara todo vermelho a andar pela cidade... Todos já sabiam quando via um babaca correndo todo melado de pó de coloral pelas ruas do centro... O coro e as vaias eram constrangedores.
___Ladrão!!!
A porta de saída da loja parecia não ter fim. Três seguranças cercaram Ulisses...
____Parado ai garoto!!! Abra a bolsa agora!!!
Ulisses com um nó na goela não sabia o que fazer... Sua vista escureceu. Não tinha forças para correr. Juntou uma multidão de curiosos...
___Abra a bolsa moleque!! Ou quer que eu mesmo abro?
O brutamonte segurança da loja tomou a bolsa, averiguou e confirmou o roubo dentro da mochila.
___Tá preso boy!!! Vamos lá pra cima que iremos chamar a policia!!!
Sua preocupação seria o banho de coloral. Mas Ulisses pelo seu tamanho e barba por fazer aparentava ser maior de idade. Se pudesse esconder o rosto de vergonha... Não conteve as lágrimas. O coração batia em descompasso, era um real pesadelo. Foi encaminhado para a cabine policial e por realmente ser menor de dezoito anos, ligaram para o seu pai e sua mãe. O professor foi buscá-lo decepcionado com o filho que bateu na sua nova esposa e foi pego furtando em uma loja. Precisava de um bom corretivo, interná-lo? Mandá-lo para os EUA? Um amigo de seu pai, professor também, viu o Ulisses saindo de Brasília Teimosa com um saco suspeito nas mãos! Seria droga? O professor estava irado com o seu filho, dessa vez teria que ser enérgico! Pegou o garoto na delegacia e no carro foi gritando com o moleque:
___Puta que pariu Ulisses!!! O que ta pegando??? Primeiro tu agride a Ligia que não te fez nada...
___Ela fez...
___CALA A BOCA PORRAAAAA EU TÔ FALANDOOOO!!!
Depois tu é visto com um saco de não sei o que, saindo de Brasília Teimosa!! O que tu foi fazer lá??? E AGORA TU É PEGO ROUBANDO!!!! PORRAAA CARA, ROUBANDO CHOCOLATE!!! Não sei mas o que faço com você, vou te internar!!!
Ulisses chorava arrependido, podia ter pedido dinheiro a própria Samara e comprar os Alpinos pelo Janga mesmo, mas ele queria provar o seu amor. A garota dos dias contados nunca foi pega roubando, era muito pratica.


Samara vomitava sem parar, já colocava o que não tinha pra fora. Agora jorrava sangue. As dores eram delirantes. Tentou se matar, achou o revolver calibre 38 de seu pai, mas ao puxar o gatilho, notou que a arma estava sem munição. Procurou desesperadamente as balas douradas do revolver preto de seu pai. Queria cessar as terríveis dores de vez! Sua mãe pulou apavorada em cima da garota e confiscou a arma.
___Tu ta doida menina!?? Quer se matar minha filha!?
__Doida to ficando com essas dores na cabeça mãe!!
Sua mãe a abraçou forte, a beijou desesperadamente e gritava:
___Eu não vou deixar tu morrer meu amor!! Deus é grande ele vai te deixar pra mim, ele não vai te levar meu amor!!As duas choravam abraçadas, enlaçadas entre braços... Começaram a rezar alto, palavras de uma reza com toda sua fé de mãe. No dia seguinte pediu para Ulisses a levar até a praia, queria muito ver o mar do Janga. Pisar nas areias da praia onde ela muito jogou vôlei, caminhou à tarde em suas areias e participou de luais a noite coberto pelo céu exageradamente estrelado. Queria sentir as ondas do mar beijarem os seus pés magros. Pessoas que conheciam Samara assustavam-se com o estado físico da garota. A menina sentia os olhares de pena que eram direcionados para ela. Constrangida, pediu imediatamente para Ulisses a levar de volta para a casa em sua cadeira de rodas.
X


Agora entra o Christian na estória, de quem mencionei no inicio e a parte mais doida que colhi através dos relatos do Ulisses, da carta que Samara deixou, e de pesquisas diversas. É tudo muito estranho e até hoje se comenta essa bizarrice no Janga. O Christian era amigo distante do Ulisses, da época da escola Ativa. O cara só falava em disco voadores, ETs... Rapaz bastante inteligente e sabia tudo de astronomia. Falava manso, era magro, branco, cabelos crespos e usava óculos de grau. Passava noites inteiras deitado em cima do prédio em que morava na esperança de ver Óvnis. Um sábado de manhã chegou à casa do Ulisses e disse que poderia curar Samara. Mas como ele sabia da doença de Samara? Ele nem a conhecia! Alguém comum a Ulisses deve ter dito a ele. Mas Christian disse que foram os ETs habitantes de um tal planeta chamado Capela, muito distante da Terra, uma estrela de material gasoso... Não tenho explicações cientificas. Disse a Ulisses que a nave deles estava pousada no Alto do Pirauá na divisa com a Paraíba. Coisa de doido mesmo, naquele momento ele sentia certeza que o Christian tinha pirado! Disse que havia um recado para Samara e que os habitantes de Capela queriam salva-la. Os olhos de Christian emocionados eram de doido, de fanático... Samara já tinha tido outro desmaio, não restaria nem mais uma semana de vida, seus pais estavam decididos a deixarem no hospital por observação plena na UTI. Ulisses estava tão louco pela salvação de Samara que se agarrava a qualquer esperança, mesmo sendo uma coisa doida sem pé nem cabeça.
___Como faço pra chegar lá?
Christian disse:
___Vamos em meu carro, é algumas horas de viajem daqui...
Ulisses perguntou quando seria essa viagem...
___Hoje!! Hoje à tarde, chegaremos lá à noite e ela será salva! Não temos tempo a perder!
Isso era loucura. Ulisses no intervalo da manhã para a tarde foi pesquisar algo sobre o planeta Capela nos livros de ciências e nas enciclopédias. Nada encontrou. Mas não tinha tempo a perder, não se sabe como, mas Ulisses se agarrou com a idéia maluca do Christian e convenceu Samara à ir viajar. Era tudo que a garota queria, mais uma aventura, ela ria muito com essa estória maluca, para Samara tudo era lucro e diversão. O problema era sair escondido. Ulisses armou tudo bem planejado e fez um “seqüestro” sem que os pais da garota dessem conta de sua fuga para o Alto do Pirauá. O carro era um fiat uno, do pai do Christian, eles não tinham tempo a perder... Pegaram à estrada às 16 horas da tarde, passaram por Goiana, Timabúba, Macaparana... Muitos quilômetros de estrada de terra... Começava a anoitecer... Algumas léguas de chão batido e ao longe se via uma enorme luz acesa de formatos estranhos e encantador. Já dava para ser vista uma enorme nave, Ulisses sentiu muito medo, era realmente assustador, ele ficou todo arrepiado, o seu coração batia mais forte do que na noite que flagrou Samara beijando outro rapaz...

Depois eu mesmo tentei colher relatos na localidade onde pousou a enorme nave, mas incrivelmente, ninguém viu nada. Na minha crua concepção, a nave dava para ser vista de qualquer local longínquo. Passei alguns dias pesquisando, entrevistando moradores da localidade, mas nada de interessante foi colhido. Só uma garotinha de 5 aninhos que disse que viu um enorme “balão” de São João no céu, disse ela que era muito, mas muito grande! E um senhor disse que viu um imenso canudo gigante todo aceso cruzando o céu estrelado.

Segundo Ulisses a nave era vista de muito longe. Estacionaram o carro distante do objeto iluminado e nem se aproximaram da nave que estava no topo do Alto do Pirauá, pois dois seres com roupas que lembravam astronautas e de formatos físicos humanos, fizeram sinal para pararem. Era uma bela mulher e um jovem. Não tinham nada de mutante, ou de ETs vistos na TV. Eram humanos!
___São eles!!!
Dizia Christian emocionado. Ulisses estava assustadíssimo com todo esse fenômeno estranho que esquecera até o seu objetivo de curar Samara. A garota estava maravilhada com aquilo, pra ela tudo era diversão! O Christian se comunicou com os dois seres iluminados na escuridão através do pensamento, comunicação absurda por telepatia. Vozes invadiam o cérebro de Ulisses, e o que ele pensava era respondido. Só ai o rapaz notou que estava se comunicado sem emitir voz, apenas pelo pensamento. Ao lado dos dois seres, havia uma pequena nave, de formato quadrado, onde Samara entrou dentro, carregada carinhosamente pelos seres do outro planeta. Ela foi transportada até a nave mãe. Do enorme objeto que estava pousado na altitude do Pirauá, abriu uma entrada e a pequena navezinha que estava com Samara em seu interior, movimentou para dentro da nave mãe. Segundo relato de Ulisses, a aeronave não era um disco voador, como vira nos filmes americanos. Lembrava um enorme “charuto” gigante, com muitas luzes que ao olhar doía na vista. Do objeto liberava um cheiro estranho que Ulisses não soube informar ao que se assemelhava, mas era uma essência agradável, que fazia muito bem aos pulmões. O garoto tinha asma e misteriosamente não teve mais crises asmáticas. Ele diz que foi o cheiro que respirou do estranho e gigantesco objeto voador. Perguntei se o tal “charuto” chegava medir uns quinhentos metros de diâmetro ou mais. Ele disse que a sua outra ponta se perdia de vista, era um gigantesco tubo aceso que parecia um trem sem fim. Parte desse canudo gigante estava pousado no alto do Pirauá. A impressão que dava, era que a grande montanha de pedra estava fumando um charutão aceso. Não se sabe como um objeto enorme e bastante notável não chamou atenção de habitantes das cidades próximas. A nave subiu e se desintegrou em vários compartimentos. Não se sabia em qual tubo gigante estava Samara. Repentinamente, em uma velocidade assustadora, desapareceram no espaço. Os dois rapazes esperaram três dias por Samara, acampados e comendo na cidade mais próxima de Macaparana. Mas ela nunca mais voltou. Os garotos voltaram diversas vezes no Alto do Pirauá na esperança de encontrar a menina dos cabelos pintados de vermelho fogo. Perguntaram sobre a nave e a possibilidade de ETs na pacata cidade que estavam, e as respostas sempre eram vazias. Ulisses culpava Christian, e em uma de suas crises de desespero por uma resposta, deu uma chave de braço no pescoço do magro e conhecido caçador de “disco-voadores” do Janga.
___Onde ta Samara porra!! Eu quero Samara de volta!
Preso sobre o aperto de Ulisses, Christian respondeu faltando o ar.
___Ela vai voltar curada!
O garoto o largou no chão e começou a chorar. Em uma das insistentes idas ao Alto do Pirauá, Ulisses encontrou uma carta em papel comum quando escalaram até o topo do alto no dia seguinte, e era a letra de Samara. Ele rasgou a carta com ânsia e leu emocionado:

“Amor, aqui tem DJs mutantes, a noite não tem fim... É incrível! A terra é linda vista daqui do alto... Dei uma volta no céu do Recife, eles me levaram pra passear... Vi o Marista bem pequenininho, a Torre Malakoff parecia de brinquedo, depois voamos até o Janga, vi minha casa tão minúscula... Eu me senti beijando meus pais, que estavam dormindo... O Recife aceso visto do alto é lindo, parece ser tudo maravilhoso, não parece ter miséria, violência, desigualdade... Aqui dentro dessa nave é lindo, e a terra vista do espaço aberto é um espetáculo!

Estarei sempre olhando por ti Ulisses, nunca te esquecerei!”

Te amo,
Samara

É muita coincidência Ulisses achar uma carta assim, sem mais nem menos. Como foi que Samara mandou essa carta? Como ela adivinhou que o garoto que a amava iria escalar o alto do Pirauá? E como a carta não sumiu, levada pelo vento ou desfeita pela chuva? São perguntas sem respostas. Ele achou carta e pronto! Voltar para o Recife sem Samara era um pesadelo, já imaginava a polícia em sua casa e a grande bronca com direito sair até no programa do Cardinot. Ulisses estava muito impressionado com tudo, a nave, a carta... Christian explicava cientificamente sobre Capela... Mas nem mesmo ele esperava isso. Pegaram a estrada rumo ao Recife sem esperanças de reencontrar Samara. O caçador de óvnis do Janga estava extasiado, admirado e satisfeito com sua missão comprida. Ulisses chegou em casa e tudo estava calmo. O que houve? Abriu a porta, acendeu a luz... Sua mãe estava na cozinha...
__Mãe?
__Ulisses? Onde tu tava esse tempo todo?? A Samara morreu e tu nem para o velório dela foste!!! Onde tu tava menino?
Ulisses tomou um susto!! Velório? Mas como? Que absurdo é esse? Ele tinha que constatar e saber realmente o que houve com Samara. Ligou para o Christian e o mesmo não sabia o que responder relacionado ao estranho fenômeno. O garoto através de informações foi direto ao cemitério de Santo Amaro, passou pelo portão da enorme cidade dos mortos e pediu informações. Um dos coveiros indicou a localidade quase exata do túmulo da garota dos cabelos de fogo. Ulisses disparou a andar passos largos e apressados pelos corredores do cemitério. O coração na boca não parava de bater. Não podia ser verdade, pois Samara foi embora no charuto gigante, ele viu! Averiguou com seus próprios olhos que a terra desse cemitério ou de outro há de comer um dia. Uma tontura rodou a sua cabeça, um desespero pela verdade apressava mais os seus passos largos, uma sessão de imagens em milésimos de segundos passavam em sua mente como flashs. Alguns túmulos a mais... Não queria nem acreditar... Realmente ela havia sido enterrada. A fotografia no epitáfio estava linda, uma foto expondo um belo sorriso do seu aniversario de 15 anos. Leu em seu túmulo a seguinte frase gravada e deixada pela sua família:

“Se chorarmos por termos perdido o sol,
As lágrimas nos impedirão de ver as estrelas”.

O garoto colocou as mãos no rosto, respirou fundo e pensou em está ficando louco. Não havia explicação para o bizarro fenômeno. O que aconteceu? É meio difícil colher mais informações convincentes e coerentes de Ulisses além das básicas, e da carta com a letra da garota, pois ele se perde em palavras e tem crise de choro quando toca nesse assunto. Os pais de Samara se mudaram do Janga. O Christian desapareceu misteriosamente, até hoje tem cartazes espalhados informando a data de seu sumiço. Ele saiu à tarde para dar uma volta na praia e nunca mais voltou. Uns dizem que foi devorado por tubarões, caso sim, onde estarão seus restos mortais? Tubarão não gosta de carne humana. Outros afirmam que morreu afogado, mas seu corpo não apareceu. E há até quem diga, que ele foi levado por uma sereia para as profundezas do oceano. Mas ninguém sabe ao certo. O sofrimento ficou com seus pais.

Através de informações, descobri o paradeiro dos pais da finada Samara, onde fui muito bem recebido e informado que ela realmente morreu na UTI. Tudo muito estranho. Sua mãe tentava tocar a vida pra frente como podia. Conversamos uma tarde inteira e a própria mãe da garota sabia do mito ou lenda que rondava o nome de sua filha.
___Esse ex namorado de minha filha ficou doido, ele fala em ETs... Agora o danado que me intriga mesmo, é o fato do tal Christian ter sumido assim!
Eu até brinquei.
___Oxi! Será que o cara foi abduzido por uma nave?
Caímos em uma só risada. Dei mais um gole no café com um pedaço de bolo... Pedi apenas um CD que foi de Samara, caso ainda existisse. Era o seu preferido, segundo informações garimpadas com os DJs da Ilha Underground, que conheciam muito bem a garota. Eu não gostava de musica tecno. Queria o CD pra guardá-lo e ouvi-lo para quando tivesse escrevendo essa historia. A sua mãe com simpatia doou para mim.
___Leva daqui, odiava esse baticum eletrônico, ela amava esse CD! Não quero lembrar, não gostava das noites de minha filha nessas boates estranhas do Recife Antigo!!
Sai depois de tomar mais uma xícara de café prometendo outra visita. Olhei uma bomboniere na estante entupida de chocolates Alpinos. Lembrei através de relatos colhidos, que era o chocolate preferido de Samara. Só poderia ser dela. Passei óleo de peroba na cara e pedi para a sua mãe uns chocolates.
___Posso levar uns?
Com bastante simpatia sua mãe respondeu.
___Lógico André! Leve, aliás, leve tudo, esses chocolates eram de Samara, ninguém aqui em casa come chocolates, eu sou diabética... E o pai dela não gosta. Estão ai há muito tempo, meus sobrinhos quando vem aqui que comem... Mas pode levá-los!
Confirmei a minha certeza. Os chocolates poderiam ser roubados, por isso tornaram-se mais valiosos. Além de ser matéria prima da garota dos cabelos vermelhos, era mais uma fonte de inspiração. Sua mãe me deu o pote com todo o seu conteúdo de cacau. Levei-os, não sabia se comeria, se os daria para minha namorada... Talvez apenas guardasse. Quem sabe Samara voltaria para buscar os seus Alpinos roubados? Nunca se sabe. Entrei no carro com um mal estar terrível. As nuvens cinza se agitavam no céu nublado para uma tempestade. Enfiei os chocolates no porta luva. Liguei o som do carro e mesmo não gostando de musica eletrônica coloquei o CD preferido dela pra tocar. A chuva já cobria o pára-brisa do carro. Um cheiro forte invadia o interior do automóvel, uma fragrância rançosa de perfume de noite... De onde vinha esse cheiro estranho? Ninguém com esse perfume entrou no carro! Acelerei. A chuva desabava revoltada. Sentia uma presença inexplicável de Samara...

André Gamma




* Trechos do poema “Deusa da Noite” de
Manoel Marcos, extraído do seu blog http://www.olhosdeifa.blogspot.com/

Essa história foi contada por veteranos surfistas do Janga, apenas obteve desenvolvimento de adaptação atualizada pelo autor.

Agradecimentos: Aos surfistas do Janga, aos pais de Samara*, ao escritor e poeta Manoel Marcos, Christian*, Ulisses*, DJs da Ilha Underground e povoamento da localidade de Macaparana(apesar de pouca e restrita contribuição para caso enigmático e oculto).

*Nomes fictícios para preservar identidades *Christian, que tem o nome verdadeiro de Cristiano, desapareceu no dia 28.11.02, foi visto pela última vez vagando na praia do Janga.
*Ulisses(nome fictício) evita falar nesse assunto e colocou um ponto final nessa história.
*Os pais da finada garota dos cabelos vermelhos leva a vida tranquilamente, conformados e residindo em outro bairro do Recife.