sexta-feira, 31 de agosto de 2007

III



Na sexta-feira Samara o convidou para ir a mais uma casa noturna improvisada nos casarões velhos do Recife Antigo. Ulisses queria muito ir, mas estava sem grana. O que fazer para conseguir dinheiro? Samara era bem de vida e os seus pais davam dinheiro quando queria. O rapaz tinha a sua honra e não queria jamais que a garota bancasse a sua noite. Ulisses teria que fazer um bico, sua mãe recebia apenas à pequena pensão de seu pai professor de historia e não sobrava dinheiro para supérfluos. Ela estava na justiça para receber um valor mais alto de acordo com o seu salário de mestre de cursinhos pré-vestibulares. Ulisses foi até o Especial procurar o seu pai, mas o velho já tinha saído para o outro cursinho, então o garoto louco para pegar em dinheiro, foi até o seu novo apartamento nos Aflitos e lá permaneceu até o seu pai chegar à noite... Mas o professor não chegou, e sim a garotinha que era sua nova esposa! Menina linda e tão nova quanto Samara, um pouco mais velha que Ulisses. Ela entrou, pendurou a bolsa em uma cadeira, fitou o rapazote, sorriu e interrogou:
___Olá! Boa noite... Tu é o filho de Dorival né? O Ulisses?
O rapazote muito enraivecido com o fato de a garota ter tomado o seu pai de sua mãe, respondeu:
___Sou sim! E tu que é a ladra de marido? Ta na cara que tu só que a grana de meu pai! Sabe... Lá em casa tá faltando tudo! E ele aqui, nesse apartamento, sustentando o teu luxo de patricinha! Tu é uma puta! É isso que tu é! PUTA!
Ligia, a nova dona do coração do conceituado professor de historia do Recife, olhou indignada e instigada para Ulisses com o dedo em riste.
___Escuta aqui garoto! Teu pai que veio atrás de mim! Não tenho culpa se tua mãe não fazia ele feliz o bastante! E puta é tua mãe!
Ulisses fechou o punho e sentou a porrada na cara de Ligia que a fez cair por cima do bar de uísque. A empregada logo veio separar e tratar de expulsar Ulisses. O garoto desceu o elevador chorando imaginando a grande besteira que tinha feito, o seu pai iria ficar muito irado, e agora não sairia na sexta com Samara, porque não teria o dinheiro do seu coroa. Pois iria mentir que queria grana para comprar mantimentos que faltava para a casa: cadernos, livros, canetas... Estudava em escola publica por castigo, pois tinha sido reprovado no São Bento. No dia seguinte, faltou a escola e foi tentar um bico escondido de sua mãe... Pegou a enxada e foi limpar um enorme terreno que fazia parte do condomínio de um prédio no Janga. Passou toda manhã e parte da tarde capinando o terreno baldio e arrecadou pouco mais de quarenta reais. Agora tinha uma graninha para sair. Pois sexta-feira a noite não era, sem a beleza exótica e misteriosa de Samara. Saíram juntos para pegar a condução até o Recife Antigo... Os dois foram para as boates localizadas nos casarões velhos da Ilha de Santo Antônio, zona portuária da cidade. O DJ soltava “COME WITH US” do Chemical Brothres, CD recém lançado na época e queridinho dos DJs do Recife. Luzes apagavam. Acediam. Apagavam. Acediam.... Canhões de iluminações vermelhas e azuis, lazeres, piscares frenéticos projetados dos strobow, fumaça de gelo seco, e taças, latas e copos com bebidas diversas erguidas para cima sob o piscar de luzes desconcertantes ferindo a escuridão sombria do casarão! As batidas lisérgicas da canção tecno “Star guitar” saia dos enormes caixas da boate. Mais uma vez os lábios se tocavam.... Ulisses estava no céu... Viveria o resto de sua vida com Samara. Morreria por ela, quanto mais furtar guloseimas e miudezas nas lojas do Recife! Samara sumia na escuridão piscante entre luzes indisciplinadas... Onde estaria? Ulisses a procurou por toda a boate, desceu e subiu várias vezes os andares que dividiam os ambientes do tecno e do rock. Samara sumiu? Em um momento estava ao lado de Ulisses, e em um piscar de olhos ela some na escuridão iluminada por luzes psicóticas. Subiu novamente as escadas e na parte de cima, deparou-se com uma cena impactante: Samara beijando um rapaz loiro! A garota já estava dopada pelas cápsulas coloridas. O coração do rapaz foi na boca. Sentiu uma dor seca no estomago. Parecia um tiro de supetão. Não acreditava no que via e nem sabia o que fazer. Ulisses saiu desesperado da boate, ganhou as ruas do Recife Antigo, e foi até o litoral do Marco Zero, na zona portuária... Sentou nos bancos de pedra de frente para o mar onde tinha navios atracados... Fazia frio. Olhava a luz de um navio longe, na linha do horizonte no negrume da noite estrelada... Sua vontade era voltar à casa noturna e surrar aquela garota idiota ladra de chocolates Alpinos... Dá umas porradas naquele loiro boa pinta que beijava Samara... Mas a amava com toda força de seu pensamento! E o loiro parecia ser bem mais forte do que Ulisses... O navio que cruzava a linha que cerca o mar era um cruzeiro, bastante aceso, ele queria estar lá, naquele enorme navio, que deveria estar cheio de gente feliz da vida. Lembrou de seu pai e de Ligia, linda garota aluna do mesmo, estava muito arrependido de ter agredido a mulher que roubou o marido de sua mãe. Seu pai não o perdoaria. Perdeu a razão, mas a menina foi afoita em agredir verbalmente a mãe de Ulisses, o que ele tem de mais sagrado. O navio deveria estar indo para o norte. Andou até o cais de Santa Rita para pegar o ônibus da madrugada... Atravessou a ponte e o Rio Capibaribe passava lento e nem se importava com ele, mas, no entanto o convidava para misteriosos carnavais. Pensou até em se jogar... Só pensou. Queria ir mesmo embora, tentar esquecer a noite... O rapazote não dormiu, estava registrada a imagem de Samara beijando o rapaz loiro. Queria mesmo deletá-la de sua vida, como quem deleta um vírus do computador... Mas era tarefa impossível, Ulisses respirava Samara. Seu medo era ser trocado pelo rapaz loiro da boate! A insônia era um inferno... O dia amanhecia e ele só pensava em Samara. Onde estaria? E o rapaz loiro, quem era? Será que tinha carro e a levaria para um motel? No mínimo a deixaria em casa, coisa que Ulisses não tinha condições de fazer, pois não tinha carro! Existia tanto desejo por Samara, que deitado em sua cama, se masturbou para a mesma, depois chorou! Só ai o incontrolável sono veio... Mas já eram sete da manhã.

IV

No dia seguinte, no sábado, Ulisses não almoçou, apenas acordou, tomou um banho e foi até o cursinho pré-vestibular que Samara estudava no centro da cidade. Queria muito falar com ela. O garoto foi com o coração na boca! Com muito receio e medo de já ter perdido Samara pelo concorrente loiro dos cabelos longos e lisos. Seu coração batia tão descompassado que pensava que teria uma parada cardíaca, sentia dores de barriga e suas mãos suavam de ansiedade. Mas tinha que ir lá... Não esperaria Samara voltar de noite ou no dia seguinte, talvez o loiro fosse buscá-la no cursinho com o seu carro e levá-la para passear! Antes ele surraria o loiro filho da puta que roubou a sua namorada! Agora sentia o pouco que sua mãe sentiu ao perder o seu pai por uma mulher mais jovem. Desceu do ônibus, se dirigiu ao portão do cursinho e aguardou o horário de largada. Todos os alunos saiam, menos Samara... Qualquer mulher de cabelos vermelhos a lembraria... Parou uma garota que residia no Janga e conhecia Samara:
___Olá Diana! Samara já largou? A que estuda no Marista?
___Opa! Ulisses! Tudo bem? Samara deve ta no hospital! Tu não sabia? Saiu ontem e de uma boate e foi bater desmaiada no hospital com forte dores na cabeça, dores tão fortes que ela gritava e delirava!! Parece que estavam na boate Ilha Underground, no Recife Antigo... E foi um cara galego que a levou para o hospital e de lá ligou para os pais dela!
___Qual é o hospital que ela ta?
___Ah Ulisses, não sei... To por fora...
O garoto voltou desesperado para casa e a essa altura a sua mãe já sabia tudo sobre o acontecido com Samara. Foi levada para o Hospital da Restauração e de lá transferida para o particular Santa Joana. Finalmente foi diagnosticado um tumor maligno no seu cérebro bastante desenvolvido. Já tinha realizado a tomografia no mesmo hospital. Os médicos foram sinceros e diretos, informando com cautela que não tinha chances de vida, era impossível operar, só restando mais alguns meses... A qualquer momento ela poderia morrer! Teria de ir para casa e aproveitar o restinho de vida sob cuidados médicos. Alguns remédios “quimioterapicos” e anti-dores para ingerir até esperar um milagre de Deus. Como informar a Samara? Sua mãe não queria avisar! Seu pai mais coerente achou melhor dizer a verdade! Mas como? Bastante delicada a situação! Levar ao psicólogo? Seus pais e familiares choravam sem parar... Perder uma filha única assim, era o inicio do fim do mundo.
Sua mãe implorou aos médicos uma solução. Como é que pode a sua filha está condenada assim? De algum jeito a garota saberia, era difícil mentir para Samara, ela descobriria.

V

Samara acordou em casa, teve alta e estava bem humorada. Foi até a enorme sala de sua casa... O sol estava lindo! O dia convidativo a uma praia, pegou “COME WITH PLUS” seu CD preferido, e jogou na bandeja do som... Seu pai estava deitado no quarto com a cabeça atolada no travesseiro chorando e sua mãe na cozinha, também com os olhos vermelhos:
___Ué mainha? O que está havendo? Painho no quarto chorando e tu também? Tu nem ta cortando cebola! O que houve no sábado? Desmaiei foi?
Silêncio...
___Mainha!? O que que ta havendo!? O que ta pegando comigo!! Quero a verdade!
Samara já estava nervosa com os olhos vermelhos de lágrimas... Voltou até a sala e baixou o som. Foi novamente à cozinha já chorando e exigindo, gritando a verdade...
___Mainha!! Tu e painho chorando!? Porque? O que está acontecendo? Me fala!
Silencio.
___Mainha! Por favor, me fala! Qual foi o resultado da tumografia? Mãeeeeee falaaaaaaaaaaa!!
Sua mãe desaba em choro, abraça forte sua filha... Não precisava dizer mais nada.
___Eu vou morrer mãe??? Hein mainha falaaaaaaaaa!!!! Pelo amor de deus!!! Eu não quero morrer!!!!Silencio. Choro... O pai aproximou-se... E constatou a cena... Passou direto para a garagem da casa e saiu, para beber, beber e beber! Era difícil encarar a realidade da perda de uma filha única.

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