sexta-feira, 31 de agosto de 2007

OS MOMENTOS FINAIS DE SAMARA



I

Dizem que as estórias são para serem contadas - e às vezes entendidas. Estive no local onde ocorreu o sinistro fato, e fui tricotando, fuçando, aglutinando depoimentos e garimpando informações. Vamos lá...

Samara sentia fortes dores na cabeça e sofria freqüentes desmaios. Iria ainda fazer o diagnóstico para saber o que causava as fortes dores. A garota tinha hábitos estranhos na concepção de seus pais. Ela gostava de se vestir de preto, freqüentar as festas raves do Recife Antigo, regada com muita musica tecno de todos os gêneros e consumia bebidas químicas diversas. Não mergulhei mais fundo na filosofia invernal adotada pela garota, porque estava mais interessado em registrar informações do seu misterioso e sinistro paradeiro. Do rapaz Christian, falarei no final, onde ele entra como peça chave desse caso mal esclarecido e embutido de enigmas e mistérios. Sei que acham absurda essa estória, fora de padrão e parâmetros da realidade, mas o seu ex-namorado Ulisses teima em provar e mostrar a carta deixada pela mesma. Há quem diga que a carta é falsificada e Ulisses ficou doido de amor. Mas é a letra dela! Como Samara iria deixar uma carta depois de morta? Samara morreu! Era assim que a mãe de Ulisses gritava sacudindo ele quando teimava em mostrar a carta relatando o paradeiro de Samara:
___Ulisses! Samara morreu! Morreuuuuuuuuu entendeu!? E tu tá vivo menino! Vivooooooo!! Entendeu!? Tu ta doido menino!? Para com isso! Vou te levar ao psiquiatra, isso já ta passando dos limites! Vou queimar essa merda de carta que tenho certeza que foi tu mesmo que escreveu!
A mãe já saturada desse assunto sem pé nem cabeça, avançou para cima de Ulisses com o objetivo de confiscar a carta e colocar um ponto final na prova falsa e forjada que segundo achavam. Ulisses segurou a carta com toda sua força... Sua mãe tomou um semblante de raiva, sentou a porrada no garoto e gritava lutando agarrada com ele por cima do sofá, puxando seus cabelos e tentando a todo custo tomar a carta da mão do rapaz:
___Me dá essa merda de carta agora! Eu vou queimar! Me dáaaaa!!
___Não douuu!! Me solta!!
Ulisses não soltava o papel com as letras de Samara... Em um vacilo, escapou das mãos de sua mãe e saiu correndo como louco pela rua, até a praia...
___Volta aqui seu moleque! Eu vou te internar se tu continuar com essa estória de doido!! Tu é igualzinho a teu pai aquele filho da puta!!! Voltaaaaaaaaaaaaaaa aquiiiiiii Ulisses!!!
Ulisses corria sem parar com lágrimas nos olhos... Seu destino era o mar, aonde sempre ia quando estava triste ou brigava com sua mãe! Sentou nas areias da praia, a tarde descia laranja, mirou a linha do horizonte no oceano, o mar fazia ondas regulares... Lembrou de Samara, ela desenhava-se com nitidez em sua mente: cabelos longos cor de fogo, meio quebradiços pela química da tinta vermelha, pele semi-ruiva, muitas sardas, olhos castanhos claros, pernas e coxas grossas, destacando pêlos dourados por descolorante com brandon e tinha som de voz arrastada, rouca... Era uma garota muito bonita. Já o Ulisses era normal, pele do rosto pouca estragada por espinhas, mas de aparência agradável, apesar do forte grau dos óculos fundo de garrafa! Samara chamava atenção pelas suas coxas fartas! Sua beleza era exótica, pois tinha olhos puxados, e pintas marrons que desciam pelos seus bustos fartos e rosados! Seus lindos lábios eram secos do sol e sempre salpicados pela sua saliva. Ulisses conheceu Samara em uma casa noturna do Recife, localizada no bairro de Santo Antonio, ilha portuária e lotada de boates underground. Ela ofereceu um tipo de ácido para Ulisses, uma pastilha vermelha... O som tecno rolava alto nos caixas da boate improvisada em um casarão velho do Recife Antigo. O garoto que ingeriu uma cápsula oferecida por Samara mergulhou em um mundo de cores e luzes, extraindo uma energia impressionante, não parando um segundo de dançar. Sentia uma sensação de auto-suficiência, de maior e o melhor cara do mundo, uma alegria inexplicável, e seu coração disparava em alta velocidade no ritmo das batidas do tecno dance... Samara se aproximava entre luzes que piscavam velozmente e flashs desconcertantes que saiam dos strobow e dos projetores. Gelo seco... Fumaças iluminadas pelas cores variadas das luzes... Movimentam-se braços, pernas e mãos estendidas para o alto erguendo copos cheios de embriaguez. Luzes apagam. Acendem. Apagam. Acedem. Samara aproximava-se clareada pela luz que piscava freneticamente sobre sua face, iluminando psicodelicamente seu sorriso e seus movimentos exóticos, que a davam um semblante de deusa da escuridão. Os lábios se tocam. Música dançante. Toneladas decibéis. Os corpos se entregam ao prazer à loucura desenfreada bebendo das bocas os licores da noite, percorrendo o gelo da bebida nos corpos ardentes. Luzes acedem. Apagam. Acedem. Apagam... *

II

Doze horas da manhã de um domingo ensolarado... Ulisses desperta e tenta lutar contra o sono. O sol era insistente em acordar o garoto que teve uma noite inesquecível, tentava raciocinar para saber se a gloriosa noitada foi real ou um sonho. Mas ainda estava com a forte fragrância do perfume de Sâmara - a prova da feliz realidade. Fez força para se levantar e o sol implacável socava sua face com golpes de toneladas de luzes naturais! Na porta de madeira prensada escuta o barulho do toc de sua mãe:
___Acorda Ulisses! Isso é lá hora de ta dormindo!? Venha trocar o botijão de água!! Vamos! Acorda! Tem o lixo pra tu levar e quero que tu vá comprar batatas no mercadinho! Acorda!
Para Ulisses, a vida começara a valer a pena naquela noite, Samara morava próximo a sua simples residência, e o garoto já era há muito tempo apaixonado pela mulher das lindas coxas destacadas. Estudaram juntos, e na infância Samara era a sua paixão platônica. A mãe do rapazote foi deixada pelo seu pai que é professor de história e por isso batizou o filho de Ulisses, o educador de cursinhos pré-vestibulares a trocou por outra mais nova, uma aluna. Era mulher amargurada e o filho tinha o dever de ampará-la e dar apoio. E era o que Ulisses fazia! O namoro com Samara começaria naquela tarde de domingo, no Alto da Sé em Olinda. Na segunda-feira, depois que largassem do colégio - Ulisses estudava em escola pública, e Samara no Marista, colégio tradicional do Recife - iriam a lojas Americanas roubar canetas, chocolates, pequenas bijuterias e tudo que fosse miudezas e que coubesse nos bolsos da calça. O garoto influenciado por Samara nunca praticou furto em sua vida, e mirando o Recife aceso ao longe do Alto da Sé sob o céu estrelado, disse:
___Tu ta doida é menina!? Tu rouba!? Tu faz isso desde quando? Tu não precisa, teu pai é rico e tu tem tudo, tu estuda no Marista!
Samara sorriu com sua expressão de despreocupação com a vida e suas conseqüências, e respondeu:
___Deixa de besteira Ulisses! Faço isso por diversão, a vida tem que ter adrenalina! Nunca fui pega, acho tão gostoso fazer isso... Sabe!? Esconder aquelas canetas rosinhas, batons, chocolates alpinos, bombons sonho de valsa... Eu tenho dinheiro para comprá-los, mas qual é a graça que tem?? O chocolate é mais gostoso quando tem risco, quando é roubado sob o perigo de ser pega pelos seguranças!! E se me pegarem... Ah! Sou de menor! Não vai dar nada!
Ulisses não aceitava a argumentativa ilegal de Samara... Mas o rapaz estava apaixonado, a garota acaricia a sua face, olha nas pupilas de dúvida de Ulisses, sorri e pergunta:
___E ai? Vamos?
___Embora? Já ta tarde né! E temos que pegar ônibus!
___Não Ulisses! To falando de amanhã! Quando a gente largar do colégio, tu me pega lá no Marista, fico te esperando e a gente vai roubar na lojas americanas! Tu vai comigo! Vale pegar tudo que for miudezas!
Ulisses nega e alerta:
___Não Samara! Não tenho coragem pra fazer isso! Além do mais os seguranças quando pegam de menor roubando, eles dão um banho de coloral e bota o cara pra correr pelas ruas!
Samara libera uma risada despreocupada e aplica-lhe um forte e molhado beijo, e Ulisses vai à lua e volta sem tirar os pés do chão. Ela fala suavemente, bem baixinho no seu ouvido passando os dedos vagarosamente nos seus lábios:
___Não gosto de homens que não tem coragem...
Ulisses respira fundo...
___Ok! Tu venceu! Mas se a gente for pego?
Samara sorri e lhe dá um outro beijo, abraça-o, e passeando a ponta da língua em sua orelha diz sussurrando baixinho no seu ouvido:
___Confie em mim! Te amo!
No dia seguinte Ulisses saiu mais cedo da escola pública João Barbalho e foi buscar Samara entrando na Avenida Conde da Boa Vista em direção ao Marista, assim como o combinado. Ao chegar no colégio, recebeu um beijo de Samara como prêmio, e ela ao tocar nas mãos de Ulisses, a sentiu geladas de ansiedade ... Ela riu e disse:
___Que isso meu amor? Tu ta com medo é? Fica tranqüilo, confie em mim!
Apaziguou Samara com seu sorriso misterioso e despreocupado com a vida. Entraram na loja, Ulisses não disfarçava o nervosismo... Ele parou, se esquivou e disse a Samara:
___Olha... Eu te espero lá fora ok!?
Samara soltou uma gargalhada debochada...
___Não acredito Ulisses!? Tu ta se pinando de medo menino! Tu vai ver como é gostoso fazer isso! Tu não precisa pegar nada tá! Só observa como eu faço, é bom mesmo tu só dessa vez olhar... Sei o momento exato de roubar escondida das câmeras... Tu aprende! Eu sou danada, vê só!
Samara estava de mochila e com muita habilidade e coragem colocava os furtos dentro da bolsa disfarçadamente sem nem ao menos o próprio Ulisses perceber, eram canetas e chocolates M&M, Laka, e o seu preferido Alpino - furtava vários Alpinos! Depois saia na boa tranquilamente, e Ulisses impressionado com o sangue frio de Samara, nem acreditava no que via. Ela ganhava as ruas rindo de sua própria esperteza e de seu ato clandestino...
___Tá vendo Ulisses!? Sou danada! Sou phoda com PH mesmo! Os dois foram para o Parque 13 de Maio, namorar, comer os chocolates roubados e dividir as canetas! No dia seguinte, combinaram de furtar na bomboniere do Shopping Boa Vista. Pela loja ser minúscula, mas com enorme variedade de chocolates, era mais difícil roubar, e para Samara, era mais um gostoso desafio! Dessa vez Ulisses ficou fora da loja, ansiosamente aguardando algum “pepino”, mas logo saia Samara com um belo sorriso largo expondo seus dentes meio amarelados naturalmente. Mais um roubo bem sucedido! Vários Alpinos com embalagens douradinhas abarrotavam a sua bolsa. Um dia ela poderia se dar mal, e quando o barco afundasse, Ulisses iria junto. Mas eram “de menor”, a até aquele presente momento, seus furtos sempre foram aventuras bem sucedidas.

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