sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Agora entra o Christian na estória, de quem mencionei no inicio e a parte mais doida que colhi através dos relatos do Ulisses, da carta que Samara deixou, e de pesquisas diversas. É tudo muito estranho e até hoje se comenta essa bizarrice no Janga. O Christian era amigo distante do Ulisses, da época da escola Ativa. O cara só falava em disco voadores, ETs... Rapaz bastante inteligente e sabia tudo de astronomia. Falava manso, era magro, branco, cabelos crespos e usava óculos de grau. Passava noites inteiras deitado em cima do prédio em que morava na esperança de ver Óvnis. Um sábado de manhã chegou à casa do Ulisses e disse que poderia curar Samara. Mas como ele sabia da doença de Samara? Ele nem a conhecia! Alguém comum a Ulisses deve ter dito a ele. Mas Christian disse que foram os ETs habitantes de um tal planeta chamado Capela, muito distante da Terra, uma estrela de material gasoso... Não tenho explicações cientificas. Disse a Ulisses que a nave deles estava pousada no Alto do Pirauá na divisa com a Paraíba. Coisa de doido mesmo, naquele momento ele sentia certeza que o Christian tinha pirado! Disse que havia um recado para Samara e que os habitantes de Capela queriam salva-la. Os olhos de Christian emocionados eram de doido, de fanático... Samara já tinha tido outro desmaio, não restaria nem mais uma semana de vida, seus pais estavam decididos a deixarem no hospital por observação plena na UTI. Ulisses estava tão louco pela salvação de Samara que se agarrava a qualquer esperança, mesmo sendo uma coisa doida sem pé nem cabeça.
___Como faço pra chegar lá?
Christian disse:
___Vamos em meu carro, é algumas horas de viajem daqui...
Ulisses perguntou quando seria essa viagem...
___Hoje!! Hoje à tarde, chegaremos lá à noite e ela será salva! Não temos tempo a perder!
Isso era loucura. Ulisses no intervalo da manhã para a tarde foi pesquisar algo sobre o planeta Capela nos livros de ciências e nas enciclopédias. Nada encontrou. Mas não tinha tempo a perder, não se sabe como, mas Ulisses se agarrou com a idéia maluca do Christian e convenceu Samara à ir viajar. Era tudo que a garota queria, mais uma aventura, ela ria muito com essa estória maluca, para Samara tudo era lucro e diversão. O problema era sair escondido. Ulisses armou tudo bem planejado e fez um “seqüestro” sem que os pais da garota dessem conta de sua fuga para o Alto do Pirauá. O carro era um fiat uno, do pai do Christian, eles não tinham tempo a perder... Pegaram à estrada às 16 horas da tarde, passaram por Goiana, Timabúba, Macaparana... Muitos quilômetros de estrada de terra... Começava a anoitecer... Algumas léguas de chão batido e ao longe se via uma enorme luz acesa de formatos estranhos e encantador. Já dava para ser vista uma enorme nave, Ulisses sentiu muito medo, era realmente assustador, ele ficou todo arrepiado, o seu coração batia mais forte do que na noite que flagrou Samara beijando outro rapaz...

Depois eu mesmo tentei colher relatos na localidade onde pousou a enorme nave, mas incrivelmente, ninguém viu nada. Na minha crua concepção, a nave dava para ser vista de qualquer local longínquo. Passei alguns dias pesquisando, entrevistando moradores da localidade, mas nada de interessante foi colhido. Só uma garotinha de 5 aninhos que disse que viu um enorme “balão” de São João no céu, disse ela que era muito, mas muito grande! E um senhor disse que viu um imenso canudo gigante todo aceso cruzando o céu estrelado.

Segundo Ulisses a nave era vista de muito longe. Estacionaram o carro distante do objeto iluminado e nem se aproximaram da nave que estava no topo do Alto do Pirauá, pois dois seres com roupas que lembravam astronautas e de formatos físicos humanos, fizeram sinal para pararem. Era uma bela mulher e um jovem. Não tinham nada de mutante, ou de ETs vistos na TV. Eram humanos!
___São eles!!!
Dizia Christian emocionado. Ulisses estava assustadíssimo com todo esse fenômeno estranho que esquecera até o seu objetivo de curar Samara. A garota estava maravilhada com aquilo, pra ela tudo era diversão! O Christian se comunicou com os dois seres iluminados na escuridão através do pensamento, comunicação absurda por telepatia. Vozes invadiam o cérebro de Ulisses, e o que ele pensava era respondido. Só ai o rapaz notou que estava se comunicado sem emitir voz, apenas pelo pensamento. Ao lado dos dois seres, havia uma pequena nave, de formato quadrado, onde Samara entrou dentro, carregada carinhosamente pelos seres do outro planeta. Ela foi transportada até a nave mãe. Do enorme objeto que estava pousado na altitude do Pirauá, abriu uma entrada e a pequena navezinha que estava com Samara em seu interior, movimentou para dentro da nave mãe. Segundo relato de Ulisses, a aeronave não era um disco voador, como vira nos filmes americanos. Lembrava um enorme “charuto” gigante, com muitas luzes que ao olhar doía na vista. Do objeto liberava um cheiro estranho que Ulisses não soube informar ao que se assemelhava, mas era uma essência agradável, que fazia muito bem aos pulmões. O garoto tinha asma e misteriosamente não teve mais crises asmáticas. Ele diz que foi o cheiro que respirou do estranho e gigantesco objeto voador. Perguntei se o tal “charuto” chegava medir uns quinhentos metros de diâmetro ou mais. Ele disse que a sua outra ponta se perdia de vista, era um gigantesco tubo aceso que parecia um trem sem fim. Parte desse canudo gigante estava pousado no alto do Pirauá. A impressão que dava, era que a grande montanha de pedra estava fumando um charutão aceso. Não se sabe como um objeto enorme e bastante notável não chamou atenção de habitantes das cidades próximas. A nave subiu e se desintegrou em vários compartimentos. Não se sabia em qual tubo gigante estava Samara. Repentinamente, em uma velocidade assustadora, desapareceram no espaço. Os dois rapazes esperaram três dias por Samara, acampados e comendo na cidade mais próxima de Macaparana. Mas ela nunca mais voltou. Os garotos voltaram diversas vezes no Alto do Pirauá na esperança de encontrar a menina dos cabelos pintados de vermelho fogo. Perguntaram sobre a nave e a possibilidade de ETs na pacata cidade que estavam, e as respostas sempre eram vazias. Ulisses culpava Christian, e em uma de suas crises de desespero por uma resposta, deu uma chave de braço no pescoço do magro e conhecido caçador de “disco-voadores” do Janga.
___Onde ta Samara porra!! Eu quero Samara de volta!
Preso sobre o aperto de Ulisses, Christian respondeu faltando o ar.
___Ela vai voltar curada!
O garoto o largou no chão e começou a chorar. Em uma das insistentes idas ao Alto do Pirauá, Ulisses encontrou uma carta em papel comum quando escalaram até o topo do alto no dia seguinte, e era a letra de Samara. Ele rasgou a carta com ânsia e leu emocionado:

“Amor, aqui tem DJs mutantes, a noite não tem fim... É incrível! A terra é linda vista daqui do alto... Dei uma volta no céu do Recife, eles me levaram pra passear... Vi o Marista bem pequenininho, a Torre Malakoff parecia de brinquedo, depois voamos até o Janga, vi minha casa tão minúscula... Eu me senti beijando meus pais, que estavam dormindo... O Recife aceso visto do alto é lindo, parece ser tudo maravilhoso, não parece ter miséria, violência, desigualdade... Aqui dentro dessa nave é lindo, e a terra vista do espaço aberto é um espetáculo!

Estarei sempre olhando por ti Ulisses, nunca te esquecerei!”

Te amo,
Samara

É muita coincidência Ulisses achar uma carta assim, sem mais nem menos. Como foi que Samara mandou essa carta? Como ela adivinhou que o garoto que a amava iria escalar o alto do Pirauá? E como a carta não sumiu, levada pelo vento ou desfeita pela chuva? São perguntas sem respostas. Ele achou carta e pronto! Voltar para o Recife sem Samara era um pesadelo, já imaginava a polícia em sua casa e a grande bronca com direito sair até no programa do Cardinot. Ulisses estava muito impressionado com tudo, a nave, a carta... Christian explicava cientificamente sobre Capela... Mas nem mesmo ele esperava isso. Pegaram a estrada rumo ao Recife sem esperanças de reencontrar Samara. O caçador de óvnis do Janga estava extasiado, admirado e satisfeito com sua missão comprida. Ulisses chegou em casa e tudo estava calmo. O que houve? Abriu a porta, acendeu a luz... Sua mãe estava na cozinha...
__Mãe?
__Ulisses? Onde tu tava esse tempo todo?? A Samara morreu e tu nem para o velório dela foste!!! Onde tu tava menino?
Ulisses tomou um susto!! Velório? Mas como? Que absurdo é esse? Ele tinha que constatar e saber realmente o que houve com Samara. Ligou para o Christian e o mesmo não sabia o que responder relacionado ao estranho fenômeno. O garoto através de informações foi direto ao cemitério de Santo Amaro, passou pelo portão da enorme cidade dos mortos e pediu informações. Um dos coveiros indicou a localidade quase exata do túmulo da garota dos cabelos de fogo. Ulisses disparou a andar passos largos e apressados pelos corredores do cemitério. O coração na boca não parava de bater. Não podia ser verdade, pois Samara foi embora no charuto gigante, ele viu! Averiguou com seus próprios olhos que a terra desse cemitério ou de outro há de comer um dia. Uma tontura rodou a sua cabeça, um desespero pela verdade apressava mais os seus passos largos, uma sessão de imagens em milésimos de segundos passavam em sua mente como flashs. Alguns túmulos a mais... Não queria nem acreditar... Realmente ela havia sido enterrada. A fotografia no epitáfio estava linda, uma foto expondo um belo sorriso do seu aniversario de 15 anos. Leu em seu túmulo a seguinte frase gravada e deixada pela sua família:

“Se chorarmos por termos perdido o sol,
As lágrimas nos impedirão de ver as estrelas”.

O garoto colocou as mãos no rosto, respirou fundo e pensou em está ficando louco. Não havia explicação para o bizarro fenômeno. O que aconteceu? É meio difícil colher mais informações convincentes e coerentes de Ulisses além das básicas, e da carta com a letra da garota, pois ele se perde em palavras e tem crise de choro quando toca nesse assunto. Os pais de Samara se mudaram do Janga. O Christian desapareceu misteriosamente, até hoje tem cartazes espalhados informando a data de seu sumiço. Ele saiu à tarde para dar uma volta na praia e nunca mais voltou. Uns dizem que foi devorado por tubarões, caso sim, onde estarão seus restos mortais? Tubarão não gosta de carne humana. Outros afirmam que morreu afogado, mas seu corpo não apareceu. E há até quem diga, que ele foi levado por uma sereia para as profundezas do oceano. Mas ninguém sabe ao certo. O sofrimento ficou com seus pais.

Através de informações, descobri o paradeiro dos pais da finada Samara, onde fui muito bem recebido e informado que ela realmente morreu na UTI. Tudo muito estranho. Sua mãe tentava tocar a vida pra frente como podia. Conversamos uma tarde inteira e a própria mãe da garota sabia do mito ou lenda que rondava o nome de sua filha.
___Esse ex namorado de minha filha ficou doido, ele fala em ETs... Agora o danado que me intriga mesmo, é o fato do tal Christian ter sumido assim!
Eu até brinquei.
___Oxi! Será que o cara foi abduzido por uma nave?
Caímos em uma só risada. Dei mais um gole no café com um pedaço de bolo... Pedi apenas um CD que foi de Samara, caso ainda existisse. Era o seu preferido, segundo informações garimpadas com os DJs da Ilha Underground, que conheciam muito bem a garota. Eu não gostava de musica tecno. Queria o CD pra guardá-lo e ouvi-lo para quando tivesse escrevendo essa historia. A sua mãe com simpatia doou para mim.
___Leva daqui, odiava esse baticum eletrônico, ela amava esse CD! Não quero lembrar, não gostava das noites de minha filha nessas boates estranhas do Recife Antigo!!
Sai depois de tomar mais uma xícara de café prometendo outra visita. Olhei uma bomboniere na estante entupida de chocolates Alpinos. Lembrei através de relatos colhidos, que era o chocolate preferido de Samara. Só poderia ser dela. Passei óleo de peroba na cara e pedi para a sua mãe uns chocolates.
___Posso levar uns?
Com bastante simpatia sua mãe respondeu.
___Lógico André! Leve, aliás, leve tudo, esses chocolates eram de Samara, ninguém aqui em casa come chocolates, eu sou diabética... E o pai dela não gosta. Estão ai há muito tempo, meus sobrinhos quando vem aqui que comem... Mas pode levá-los!
Confirmei a minha certeza. Os chocolates poderiam ser roubados, por isso tornaram-se mais valiosos. Além de ser matéria prima da garota dos cabelos vermelhos, era mais uma fonte de inspiração. Sua mãe me deu o pote com todo o seu conteúdo de cacau. Levei-os, não sabia se comeria, se os daria para minha namorada... Talvez apenas guardasse. Quem sabe Samara voltaria para buscar os seus Alpinos roubados? Nunca se sabe. Entrei no carro com um mal estar terrível. As nuvens cinza se agitavam no céu nublado para uma tempestade. Enfiei os chocolates no porta luva. Liguei o som do carro e mesmo não gostando de musica eletrônica coloquei o CD preferido dela pra tocar. A chuva já cobria o pára-brisa do carro. Um cheiro forte invadia o interior do automóvel, uma fragrância rançosa de perfume de noite... De onde vinha esse cheiro estranho? Ninguém com esse perfume entrou no carro! Acelerei. A chuva desabava revoltada. Sentia uma presença inexplicável de Samara...

André Gamma




* Trechos do poema “Deusa da Noite” de
Manoel Marcos, extraído do seu blog http://www.olhosdeifa.blogspot.com/

Essa história foi contada por veteranos surfistas do Janga, apenas obteve desenvolvimento de adaptação atualizada pelo autor.

Agradecimentos: Aos surfistas do Janga, aos pais de Samara*, ao escritor e poeta Manoel Marcos, Christian*, Ulisses*, DJs da Ilha Underground e povoamento da localidade de Macaparana(apesar de pouca e restrita contribuição para caso enigmático e oculto).

*Nomes fictícios para preservar identidades *Christian, que tem o nome verdadeiro de Cristiano, desapareceu no dia 28.11.02, foi visto pela última vez vagando na praia do Janga.
*Ulisses(nome fictício) evita falar nesse assunto e colocou um ponto final nessa história.
*Os pais da finada garota dos cabelos vermelhos leva a vida tranquilamente, conformados e residindo em outro bairro do Recife.

Um comentário:

Roque disse...

No mínimo muito bom ! Parabéns !

História engraçada e envolvente. Muito bem escrita. Realmente muito bom. Parabéns !